quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ismael Silva





Um dos fundadores da 1a. escola de Samba do pais, conta algumas historias e canta um samba de sua autoria, com Cristina Buarque.

Breve Historia da MPB (10a. parte)

“O Orlando Silva fez sucesso demais. Era demais, o homem era demais, nunca vi. Orlando Silva foi demais, mais do que Roberto [Carlos] e muito mais pesado. Porque não era a meninada que ia. Ia homem atrás do Orlando Silva, moça, mulher, gente já de idade, a molecada. Era um cartaz espetacular. Ele era demais, meu filho. O Orlando enchia o largo do Colombo, no Brás, que é uma enormidade, ficava assim para ver o Orlando Silva cantar, mudava o trafego. O Orlando foi o máximo em São Paulo. (...) Chico Alves também fazia muito sucesso em São Paulo. Não era muito amigo, não, mas andava junto com ele. Quando ele ia para São Paulo, a gente jantava muito junto. Diziam que ele era pão-duro. Não era pão-duro nada, coitado do Chicão. Para mim era meu amigo. A gente ia jantar, ele não gastava muito, não, que não era bobo, ele não gastava muito, mas, se a gente pedia duas sopas, ele pagava a minha sopa. Ele dizia ‘Me dá duas sopas ai, dois minestrones’. E pagava o meu. Ele fumava Petit Londrino e era cada tragada um tombo, sabe, um cigarro forte, cada tragada um tombo. Eu queria fumar, ele me dava cigarro. Meu amigo ele.” Adoniran Barbosa, no Programa Ensaio gravado no dia 28/11/1972, o mais representativo compositor popular paulista, posto ao qual chegou depois de fazer sucesso como radiator, humorista em várias emissoras de radio, ator de cinema e até parceiro (por correspondência) de Vinícius de Moraes, com quem fez o antológico Bom Dia Tristeza. Criou tipos, compôs poesias, cantou crônicas, garantiu lugar na história da música brasileira, até sua morte em 23/11/1982, com 72 anos. Fazia música falando errado, mas, como dizia, “pra falar errado tem que saber falar errado”. Criou diversos sambas errados, letras nas quais relatava situações às vezes trágicas mas com uma grande pitada de humor ou ironia.

“Em Valinhos eu não trabalhei. Nasci lá, depois vim pra Jundiaí. De Jundiaí fui para o Grupo Escolar Coronel Siqueira Morais. O meu número era 245, elefante. Nunca deu esse número no bicho, até hoje eu jogo, não dá nunca. Dali, no Grupo, fui trabalhar no hotel, entregar marmita. Entregava marmita, viu, querido amigo, e no caminho eu tinha fome, sabe, e abria a marmita e contava os bolinhos. Se a família tinha quatro pessoas e ia oito pasteizinhos ou ia dez, eu comia dois no caminho. Era malandrinho já. Não era malandragem, era espertinho. Tinha fome. Não era malandro, era fome. Sabe o que é malandragem? Malandragem é fome.” Com 10/12 anos de idade começou a trabalhar em metalúrgica, em fiação, pintor de paredes em Santo André, também encanador de água e esgoto. “Depois fui mascate, vendia retalhos na rua, retalhos de tecidos, vendia meia. Tanta coisa que eu fui e só deu pra fazer samba. Fazia samba no caminho, andando. Eu já queria fazer samba. Eu nasci querendo fazer samba, não tem começo, já nasci querendo fazê samba. Eu não parava em emprego. Balconista, se uma freguesa queria comprar um negócio eu dizia ‘Pois não’ e começava a batucar no balcão ‘Qual senhora quer, qual é que é?’. Vivia batucando, mandavam logo embora.”

“Na rádio entrei porque eu quis entrar. Eu quis entrar no rádio e ninguém quis. E até hoje ninguém quer, até hoje batem na minha cara a porta. Para entrar no rádio foi duro. Foi duro, entrei como calouro na Rádio Cruzeiro do Sul, no largo da Misericórdia. Ali eu cantava um samba do Noel Rosa, bonito, que se chamava Filosofia. O Jorge Amaral era o locutor. Aí eu fui aprovado como sambista pelo Paraguassu e tudo:

O mundo me condena

E ninguém tem pena

Falando sempre mal do meu nome.

Deixando de saber

Se eu vou morrer de sede

Ou se eu vou morrer de fome.


Mas a filosofia

Hoje me auxilia

A viver indiferente assim.

Nesta prontidão sem fim,

Vou fingindo que sou rico,

Pra ninguém zombar de mim.

Não me incomodo

Que você me diga

Que a sociedade é minha inimiga.

Pois cantando neste mundo

Vivo escravo do meu samba,

Muito embora vagabundo.

Quanto a você

Da aristocracia,

Que tem dinheiro,

Mas não compra alegria,

Há de viver eternamente

Sendo escrava dessa gente

Que cultiva a hipocrisia.

Noel Rosa, meu amigo Noel Rosa, o Queixadinho.”


Candeia

Um dos maiores compositores da historia do samba, cantando e contando a historia do Partido Alto. Verdadeira aula de samba e musica.






domingo, 2 de outubro de 2011

Todos os dias

Para a água de depois
tenho a xícara ao lado...
a chuva lá fora
dispersa no tom absoluto
de cada lâmpada instável
dos postes da rua.

Que tempo absurdo é esse
em que para chorar
lágrimas são proibidas ?

Gota de sal
que escondemos
no bolso
do casaco
inseguro.

Para a água de depois
os cacos da xícara pelo chão
denunciam minha embriaguez.

Nas mãos mudas
a voz da poesia.

Voo de pássaro
sem sustentação
do ar
é arremesso de corpo
para o nada.

E ando como pedra lançada
no coração da noite.

Os estilhaços da xícara
magoam o horizonte.

Que tempo é esse em que é preciso amanhecer
com corte imposto?

Gole a gole tomo o chá preparado.

Pela manhã a vida avançará sem desvios
em direção à certeza
- no fim do dia no fim das coisas -
de um sol ausente.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Meu pai

Essas galinhas que ciscam o tempo
Enquanto o chão passa sob os nossos pés.

Essas galinhas que tem o terreiro
Da vida por campo,
Que se movem com a linha seca do sol.

O alimento que lhes propõe a terra
Vence o tempo exato da precisão.

Quem lhes questiona o prazo de validade
A embalagem rompida
O teor nutricional
Daquilo que só se resume
Em presença no espaço da capoeira?

Vejo-as como quem vem marcado da chuva
Que cai fina, e goteja nos telhados
Sua canção triste.

E sei então que a vida se vai
Se vai
Solta no tempo.

Grãos partidos
Imersos na palha
Os riscos deixados
Procura aleatória.

Meu pai adormeceu no tempo de sua longa estrada.

E ficam apenas minhas mãos para a poesia
Que inseguras
Determinam a posição das palavras
E alongam o sítio
As árvores que descansam seu corpo
O alimento guardado e que escapou às aves.

Meu pai escondeu de mim as palavras
Para que eu procurasse
Por toda vida
(procura aleatória)
Para que eu me nutrisse
Do arado
Das cercas que deixou abertas
Do verso plantado
Entre sol e a chuva
Que agora fazem germinar seu sono.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Breve Historia da MPB (9a. parte)

O samba, durante muito tempo foi motivo de perseguição, como conta também Roberto Martins no Programa Ensaio “Não, eu fui tirar o Ataulfo. Ele estava preso, isso sim. Naquele tempo, tinha uns policias que tinham mania de prender porque ganhava prêmio. Então, tinha que mostrar a carteira de trabalho. Ele vinha da gravação, tinha gravado uma música na Victor, até um samba muito bonito, vinha com uma pastinha na mão, coitado, ia para casa, morava no Catumbi. Quando ele entrou no baixo meretrício, veio um investigador (não vou citar o nome para não fazer propaganda para ele) e prendeu o Ataulfo e levou para o distrito, que era o 8º. Distrito, na Rua Senhor do Matosinho. Aí me falaram, eu fui lá, falei com o comissário: ‘Doutor, prenderam um rapaz que é meu amigo. Ele é musico, toca violão’. Ele ainda disse: ‘Mas violão é instrumento de vagabundo’. Eu digo: ‘O senhor está dizendo isso como todo mundo diz, mas não é não’. Ainda citei um cara famoso, Sebastião Santos, que tocava todas as óperas no violão: ‘Então o senhor não conhece o Sebastião Santos, que toca opera que o senhor quiser ouvir, trago ele aqui no xadrez pro senhor ouvir’. – ‘Não, toma a chave, vai lá e solta ele.’ Aí eu dei a chave a um guarda para soltar o Ataulfo e ele foi embora comigo.”

Em 1919, foi convidado por Pixinguinha a integrar o conjunto Oito batutas, de importância fundamental na história da música brasileira, estreando na sala de espera do cinema Palais. O grupo fez muito sucesso entre a elite carioca, por executar, no centro da cidade, música popular, como maxixes, canções sertanejas, batuques, cateretês e choros, com instrumentos até então só conhecidos nos morros e nos subúrbios. Em janeiro de 1922 os Batutas apresentaram-se durante seis meses em Paris com o nome de ‘Les Batutas’, sendo o primeiro conjunto brasileiro de música popular a excursionar pelo exterior. Neste mesmo ano, o grupo ainda atua na Argentina, onde grava uma série de discos na Victor, antes de dissolver-se. Em 1928, organizou com Pixinguinha a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, eminentemente dançante, responsável por gravações no selo Parlophon, da Odeon. Durante os anos de 1930, atua nos grupos Guarda Velha e Diabos do Céu, formados por Pixinguinha para diversas gravações em algumas gravadoras, onde ele tocou cavaquinho, banjo e violão.

Em 1940, Villa Lobos, levou vários artistas, entre eles Donga, Cartola, Luiz Americano ao maestro Leopold Strokowski (1881-1976) para a gravação de discos documentais de música brasileira em 78 rpm. Lançados nos Estados Unidos em 2 álbuns intitulados Native Brazilian Music, nove composições de Donga foram neles incluídas: Cantiga de Festa, Macumba de Oxossi e Macumba de Iansã, todos com José Espingela, cantadas pelo grupo do Pai Alufá; o samba Seu Mané Luis, a toada Passarinho Bateu Asas, com Leonardo Mora, e Pelo Telefone, com Mauro Almeida, cantadas por Josué Gonçalves; a toadaRanchinho Desfeito, com De Castro e Sousa, cantada por Jararaca e Ratinho; e Que Queré, com João da Baiana e Pixinguinha, cantada por João da Bahiana.

“Olha esse ponteado, Donga!" - A exclamação com que Almirante incentivava o violão solista do Grupo da Guarda Velha está perpetuada em um dos discos mais famosos da história da música popular brasileira, gravado por importantes músicos e compositores da fase de sedimentação do samba no Rio de Janeiro. O grupo foi organizado por iniciativa de Almirante, em 1954, Donga tocou e gravou com o conjunto até 1958, seus integrantes eram Pixinguinha (sax tenor), Donga (violão, prato e faca), João da Baiana (pandeiro), Bide (ritmo), Alfredinho (flautim), J. Cascata (ritmo e canto), Rubem, Mirinho, Carlos Lentine (violões) e Valdemar (cavaquinho), além do Almirante (canto).

O único LP individual de Ernesto Maria Joaquim dos Santos, o grande arquiteto da música popular brasileira, foi lançado em 1974 pela gravadora Marcus Pereira. Neste disco, foi registrado trechos do depoimento prestado por Donga ao Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Tempo

O tempo encrava na gente
raiz profunda
em busca da água que fica
no chão submersa.

Fincado na terra seca
o tempo seca
o exercício do sorriso
que se perdeu

há muito
há muito
há muito.

Breve tempo que procura
as ondas do meu sonho
navio escuro que partiu
tão cedo do cais prematuro.

Sua memória
tange a fazenda
do boi imenso
Bordado num pano rústico.

Imensa vida
Imensa vida
Imensa vida.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Breve Historia da MPB (8a. parte)


Roberto Martins é um, entre os vários artistas fundamentais, que freqüentaram a Praça Onze naqueles tempos idos, no início do século XX, onde se localizava a casa de Tia Ciata, berço do samba. O samba durante muito tempo teve como sua figura inaugural o violonista e compositor Donga, nascido no dia 5 de abril de 1889, filho de pai pedreiro e tocador de bombardino, com a famosa Tia Amélia, do grupo das baianas da Cidade Nova, cantadeira de modinhas, festeira e mãe-de-santo, desde os 4 anos já freqüentava a casa de Tia Sadata, na Pedra do Sal, beco do bairro da Saúde. Por volta de 1893, os baianos que freqüentavam a casa de Tia Sadata fundaram o que, segundo Donga, foi o primeiro rancho do Rio de Janeiro, o Dois de Ouro, onde desfilou como ‘porta-machado’, figurante que abria o desfile brandindo um pequeno machado, em uma dança parecida com a capoeira. Passou a infância entre ex-escravos e negros baianos, com quem aprendeu o jongo, afoxé, dança-de-velhos entre outras danças provenientes da macumba e candomblé e ritmos populares que serviriam de base para sua carreira musical. Começou a tocar cavaquinho, de ouvido, e passou para o violão em 1917 tomando aulas com o famoso Quincas Laranjeiras, inventor de um método revolucionário.

Juntamente com João da Baiana, Caninha, Sinhô, Pixinguinha, Didi, Gracinda, Buci Moreira, entres outros, Donga freqüentava a casa de Tia Ciata, onde, em 1916, nasce Pelo Telefone, que ele registra como seu na Biblioteca Nacional, ato que foi contestado pelo grupo, pois consideravam a criação de caráter coletivo, por ser oriunda de partido-alto, em que todos improvisavam versos. Mas a grande importância de sua atitude, motivado pelo advento da indústria fonográfica e visando a ampliação das possibilidades de uma música antes restrita ao ambiente do seu povo negro, foi ter “introduzido o samba na sociedade”, dando ao samba o status indiscutível de gênero musical brasileiro pois foi historicamente a primeira obra do gênero samba a receber estatuto legal, o que o governo de Getúlio Vargas, na década de 1930, viria convalidar.

“Vivia-se, entretanto, no Brasil, pelos primeiros anos do século 20, um clima absolutamente desfavorável a qualquer expressão cultural emanada do povo negro. Menos de duas décadas tinham-se passado da extinção legal do trabalho escravo e a sociedade brasileira procurava de todos os modos, apagar a ‘mancha africana’. Assim, em termos musicais, ao tempo das chapas de gramofone, que eram os primitivos suportes fonográficos, gravavam-se polcas, valsas, modinhas, maxixes, lundus etc.

Mas o samba propriamente dito (e o termo ‘samba’ designava qualquer batuque de negros) tinha interesse apenas etnográfico, sem qualquer possibilidade mercadológica. (...) À parte, então, esse particular interesse etnográfico, do ponto de vista mais geral, o samba era prática marginal, desclassificada. Era a música dos libertados, porém deserdados pela Abolição, dos desordeiros, dos capadócios, da malta enfim. E por isso era reprimido pela ordem constituída, num estado de coisas que, menos ou mais brandamente, veio até a década de 1930. ‘Os sambistas, cercados em suas próprias residências pela polícia, eram levados para o distrito e tinham seus violões confiscados’ contava Donga ao escritor Muniz Sodré, conforme transcrito no livro ‘Samba, o dono do corpo’ (Rio, Codecri, 1979). ” Donga, um Retrato Ampliado de Lygia Santos.

sábado, 7 de maio de 2011

Constatação

No tempo de mudança, pegou a andar, porque andar é morrer um pouco.
E andando esperava seu passo se constituir caminho.
Para todas as células
Escalavradas
Há um pouco de terra
Que as cubra
Que as tome
Que as consuma como ato.
Porque o único ato
É ser.

Passarinho passarinho
Que vai remando os ares
Passarinho passarinho
A guerra é o deus que o apoia
No céu
Diante dos homens
E suas construções
De paz duvidosa.

Passarinho não anda
Que conquistou asas.

No tempo de mudança pegou a andar, porque andar
É nossa união à terra
De pés descalços
Pele, pedra e pó.

Entorna a moringa
Em copo de barro.

A água denunciará tua sede.

E afirmará,
Todos os dias no fio das horas,
A medida que os homens
Não terão mais
Quando enfim seus passos
Se tornarem voo.


sexta-feira, 29 de abril de 2011

Noite. (Noite é tarde deixada para trás)

A tarde deixada para trás.

A violência das mãos
Segmentadas
Agora some
No risco da estrela
Na atitude do céu
Que o inverno veste.

É um céu paciente. Em pontos de luz
Costura a noite.

O prazo da vida escoa por entre as linhas.

Ah a toada do tempo
Nas pedras da estrada
No canto sob janela antiga
Nos passos por tantas ruas pequenas.

O tempo cantor ensinou os pássaros.

Eles sabem que a infinita medida
Limita nossa canção na terra.

Lavrar a alma é ato de plantio mais corajoso.

Por isso cantam-se canções enquanto a semeadura
É imperativo para a flor da aurora.

A tarde deixada para trás.

A noite é cama para as mãos que carregam sementes.
A noite é descanso para a fertilidade da terra.
Pão para sua fome.
Fim da nossa vida.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Breve Historia da MPB (7a. parte)

Roberto Martins também revela uma face de Francisco Alves pouco conhecida ou imaginada por todos, afinal ele era o Rei da Voz. “Conheci. Era um cara bom. Chico Alves era bruto, mas era bom de coração. Era Bruto. Ele fazia coisas de criança às vezes. Ele estava conversando com você e cuspia. Você levava ele numa casa para apresentar uma mulher e, de repente, ele cismava e saía porta afora. Ele era meio queimado. (...) A história da Cai Cai? O editor arranjou a gravação e mandou que eu mostrasse ao Francisco Alves. Mas eu tinha cantado a música para o Joel. Eu fazia o seguinte: o primeiro que gostar grava. É como amor, não espera muito, senão não ganha. Aí cantei para o Joel e ele gostou da musica: ‘Você me dá, Roberto?’ – ‘Não sei. Me deram uma incumbência para cantar para o Chico.’ – ‘O Chico não canta esse estilo. Esse estilo batucada não é do Chico.’ Aí fui cantar para o Chico e cantei mal mesmo: ‘É essa música? Essa não’. O Joel gravou e a musica começou a estourar logo no inicio. Ai o Germano [Augusto] veio me dizer: ‘Roberto, o Chico ta doido te procurando, quer falar contigo. Ele está aborrecido. O que tu fez a ele?’ ‘Num sei.’ Eu vi logo que era o negocio da musica. Mais tarde, ele me encontrou no Nice: ‘Você pensa que é malandro? Eu sou malandro da Lapa. Eu que sou o Chico da Lapa.’ – ‘O que há Chico, está zangado por quê? Que isso.’ – ‘Não fica com deboche.’ – ‘Não to com deboche. Diga pra mim o que é?’ - ‘Você cantou pra mim, me engrupiu e depois foi dar para o Joel. Não gravo mais nada seu’. Ficou uns tempos zangado comigo, mas depois gravou uma porção de coisas.”

Luis Nassif considera Roberto Martins o Rei desconhecido do Samba Sincopado. “Quando leio essa produção acadêmica sobre a bossa nova, sustentando que a música brasileira anterior era composta só de dramalhões, coloco no aparelho as músicas de Roberto Martins e me dá uma pena desses pesquisadores…”

“Favela, oi favela
Favela que trago no meu coração
Ao relembrar com saudade
A minha felicidade
Favela do sonho de amor
E do samba-cançãoMinha favela querida
Onde eu senti minha vida
Presa a um romance de amor
Numa doce ilusão
Em uma saudade bem rara
Na distancia que nos separa
Eu guardo de ti esta recordação
Minha favela!
Hoje tão longe de ti
Se vejo a lua surgir
Eu relembro a batucada
Começo a chorar
Favela das noites de samba
Berço doirado dos bambas
Favela, és tudo que posso falar.
Barulho no morro
Foi o que houve num arrasta-pé
Quando Pedro deu um beijo
Na cabrocha do José
Enquanto eles brigavam
Todo mundo assistia
Foi preciso que a policia
Desse fim à valentia
José morreu, e Pedro foi condenado
E a cabrocha foi com outro que vivia apaixonado
E nunca mais ouviu-se um grito lá no morro
Nunca mais ninguém ouviu um apito de socorro
Barulho, barulho, barulho no morro.”

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

passeata

os passos que dei ontem
vêm cheios dos meus silêncios
mal medidos

no canteiro dessa avenida bruta
ou vendo os peixes que adormecem no chão
meus pés descansam

não há movimentos ou perguntas
posto que o dia foi bravo
o dia preparou a maciez da noite

há sempre possibilidades no meio da tarde
alguma luz que recupere a esperança
de que a liberdade ainda rebente

mas está longe e morre a cada eleição
a cada discurso montado
a cada recado da mídia

a liberdade é o silêncio
dos passos que dei ontem
cuidem de mim

eles não precisam de voz
imagem
ou aplausos

navegam o mar dos dias
e abrem amplo espaço
do continente

adormecem como esses peixes
plantados adiante
dentro da terra

e nadam ao curso de cavernas subterrâneas
quando querem ser livres
aguardam a chuva

para brotarem do solo
como palavras na manhã
em campo novo

e seus frutos serão o rio
comprido imenso
que passa ao lado

ainda que não sintamos
nem a umidade nem o sabor
nem a paz

do seu leito.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A próxima distância

O vento enganado que me esconde a noite
Tem por si no engano
De me encontrar.

Se pedras arremesso me vem na fronte
O afago amargo
Do ar doce.

Onde planto flores em risco azul
Pintam-se madrigais
De um soco exato.

A poesia vira mentira de nossa verdade.
E verdade escrita
É ficção, alegoria.

Nada do mundo
Corre triste.

O que sinto é triste.

O dia passa com o que penso.
E morre em palavra usada
Quando posto no papel
O tempo do lápis
Esquecendo o grafite
No espaço branco.

Espaço infinito
Que não suporta o tamanho da vida.
Tão preciso e pequeno.

Fez um tempo de água
Fez um tempo de pedra.

Viver é partir sempre
No mesmo lugar.

Bem longe
Bem longe.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Breve Historia da MPB (6a. parte)


O Programa chamado Ensaio, antes MPB Especial, produzido desde 1969, exibido pela TV Tupi e até hoje pela TV Cultura, trás, de uma maneira mais superficial, o artista convidado executando suas composições ou musicas mais conhecidas entre depoimentos sobre sua vida e carreira. Olhando mais de perto conseguimos captar em suas palavras, na maneira que se expressa, nas historias de sua vida e dos relacionamentos com outras figuras históricas, a essência deste artista como pessoa [sua alma], sua verdadeira qualidade artística, no caso dos ‘apenas’ compositores conseguimos perceber toda sua noção musical e total domínio do fraseado por mais que não sejam grandes interpretes. Para que possamos perceber tudo isso, precisamos estar livres de todo e qualquer pré-conceito musical, porque em alguns casos ouviremos grandes interpretações, sem aquela voz macia e tal, mas carregadas de emoção e apuro técnico, valiosas perolas musicais.

Fernando Faro, diretor do programa, teve em alguns casos uma sorte grande, como o que aconteceu com Roberto Martins, pouco badalado compositor, mas um dos grandes da era de ouro da MPB, nascido em 29/1/1909 e tendo falecido em 14/3/1992, gravou o programa em 1991, por questão de meses foi possível ter seu depoimento e interpretações emocionadas como a de Favela, feita em parceria com Waldemar Silva, seu primeiro grande sucesso e talvez o maior, gravada por Francisco Alves em 1936, recebeu mais de 100 gravações; teve também enormes sucessos na voz de Orlando Silva, com Meu Consolo é Você e Dá-me Tuas Mãos; Ciro Monteiro gravou Beija-me; Nelson Gonçalves projetou-se com uma composição sua, o foxRenuncia; fez em parceria com Wilson Batista, o samba precursor da questão social Pedreiro Waldemar, que estourou no carnaval de 1949, interpretado por Blecaute.

“Que eu gravei até agora? Gravei 384 musicas, mas tenho 56 anos de carreira. (...) Conheci. Desde menino, conheci a praça Onze. Você quer que eu fale, mas não vou falar das escolas de samba, porque antes tenho que falar como era a praça Onze. A praça Onze, vocês deviam conhecer. Tinha a rua Senador Eusébio, a Visconde de Itaúna e tinha a rua Santana e Marques de Pombal, ela ficava no meio, onde tinha a gafieira As Colombinas. A Kananga do Japão nunca foi na praça Onze. (...) Vou te falar dos batuqueiros. Depois que acabava o carnaval e as batalhas de confete que tinha na praça Onze e naquelas ruas do Centro, à meia-noite, o povo se recolhia. Então vinham os malandros, o Quico da Favela, o Waldemar da Babilônia, o Madureira do Engenho Velho, O Brancura do Estácio, o Mulatinho do Catete (esse cara foi morto com 18 tiros na praça Onze, quando ele quis pular a grade da escola que tinha ali e não conseguiu, por causa de batucada). O Mulatinho do Catete era o malandro do Catete. Naquela época, cada lugar tinha um malandro e havia a batucada pesada, aquela Derruba, Bota no Chão. Quando chegava a policia, era um bate-fundo medonho, todo mundo corria. Essa é a praça Onze primitiva.”

E ele continua falando sobre a batucada, muito parecida com a roda de samba conhecida em São Paulo como tiririca ou jogo da pernada. “Era uma roda de samba e ainda tinha o ‘compadre’. Na batucada tinha sempre um ‘compadre’. É aquele batuqueiro que, quando você pegar um cara que é faixa dele, entra no meio e não deixa pegar. Essa cara passa, canta, empurra a perna devagar e dá a volta, vai cantando. Quem cantava era ele e os outros respondiam. Era uma espécie de partido alto. (...) O partido alto não é como eles dizem agora que é o eles dizem agora que é pagode. Pagode é o lugar onde você vai cantar e não a musica. A música era

partido alto. Naquela época, eu fiz uma musica:

O teu riso tem, tem, tem, tem

Tem qualquer coisa que me domina, meu bem

O teu riso tem, tem, tem, tem

Tem qualquer coisa que me domina, meu bem

Tua boca é uma alvorada

Nunca vi sorriso assim

Sem teu riso não sou nada

Dá um sorriso pra mim.

De lá respondiam:

Mina minha menina

Mina dos olhos veludos

Se o teu pai ... homem sério

Teu amor teria tudo

A noite toda era assim, mudava um refrão e botava outro.”