segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Breve Historia da MPB (5a. parte)

Quanto ao vocábulo “samba”, existem várias versões de seu nascedouro. Uma delas diz ser originário do árabe, mais precisamente mouro, quando da invasão desse povo à Península Ibérica no século VIII, sendo o termo original “Zambra” ou “Zamba”. Há quem diga que é originário de um dos muitos dialetos africanos, possivelmente do Quimbundo: “Sam” = dar, “Ba” = receber, ou ainda “Ba” = coisa que cai.

Vejamos o que diz Buci Moreira em depoimento a Fernando Faro, no Progama Ensaio, gravado em 12/12/1973. “Hilaria de Almeida, pseudominada [sic] Tia Ciata, porque foi ela quem fundou o primeiro rancho carnavalesco dentro do Brasil, chamava-se Rosa Branca. A minha avó era por sinal uma crioulinha muito bonitinha, sabe?

... Se eu fosse da época da minha avó, acho que a minha avó estava roubada, porque ela era uma belezinha de crioulinha, muito bonitinha e muito boa, distinta. Era da lei de candomblé, ela era mãe-de-santo. Aí ela chegou a curar inúmeras pessoas atrapalhadas de vida, doentes, pessoas doentes da alma; ela curava, ela tinha aquele dom... e, alias, ela me salvou, porque eu estive, em criança, desenganado dos médicos; ela me recuperou, foi ela quem me deu a vida. (...) Ah, inúmeros ... Aqueles boêmios todos da época andavam lá, os artistas todos da época. Pixinguinha, as vezes, ia e ficava em casa e não saia. A maioria chegava em minha casa e cismava de não ir embora pra casa, ficava ali mesmo. Lá tinha oito quartos, era grande pra chuchu! O João da Bahiana era permanente, a visita dele era permanente.”

Sua forma de tocar instrumentos de ritmo, que fez escola, e a maneira de dançar o samba “miudinho”, de forma magistral, que aprendeu com sua avó, tornaram-se sua marca registrada. Suas musicas foram gravadas por Francisco Alves, Mario Reis, Geraldo Pereira, Linda Batista, Carmem Miranda, Aracy de Almeida, Patrício Teixeira, entre outros. Seus principais sucessos são Não põe a mão, Quem Pode Pode, Não Precisa Pagar, Linda Tarde, Beijos, Festa na Roça, Porque é Que Você Chora, Anda Vem Cá.

O tamborim é que nós usava pesado ..., porque a policia repreendia na rua e os nossos pais repreendia ..., porque o samba é bom, e nós ficava nos quintais ‘tuco tico tuco tico tuco ...’, e aqui o couro comia, mas parece até que o samba ficou assim frenético devido as bordoadas que seus criadores recebiam, né?, pelos aplique, que a vara de marmelo comia... Porque naquele tempo era vara de marmelo, o jeito como que as nossas mães nos repreendiam... metia a vara de marmelo... e a gente às vezes saia pulando, mas aquilo no outro dia...

vinha o samba outra vez, cada um pegava um pedacinho de pau, uma coisa qualquer e pronto, ia batucando. E ai eu fiquei muito forte em ritmo. Em ritmo eu sou forte mesmo. (...) Isso de fazendo ritmo já vem de, de ... eu creio que eu já nasci fazendo ritmo ... dez anos depois do meu nascimento, eu estava ritmando.”

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Breve Historia da MPB (4a. parte)


Por um momento retorno a 1870, ano em que chega ao Rio de Janeiro, Hilaria Batista de Almeida, mais conhecida como tia Ciata, nascida no dia 23/4/1854, em Santo Amaro da Purificação, Bahia; cozinheira, sempre garantiu parte do sustento de sua família graças a seus famosos quitutes; fundou o Rancho Rosa Branca, um dos primeiros a existir no carnaval [rancho é o tipo de organização carnavalesca anterior a escola de samba]; filha-de-santo de João Alabá, de Omulu, como suas amigas tia Sadata (fundadora do Rancho da Sereia), tia Amélia do Aragão (Amélia Silvana de Araujo, mãe de Donga), tia Preciliana do Santo Amaro (Preciliana Maria Constança, mãe de João da Bahiana), tia Mônica, tia Bebiana e tia Gracinda (esposa do sacerdote islâmico Assumano Mina do Brasil). Em 1904 fixou residência na Rua Visconde de Itaúna, 117, em frente à Praça Onze, onde morou até morrer, em 1924. O casarão era uma legítima casa de cômodos, com seus 6 quartos, 2 salas, um longo corredor e quintal com árvores. Foi ali que escreveu seu nome como a figura de maior importância na criação do samba.

“A partir dos anos de 1870, na região que se estendia da antiga Praça Onze de Junho até as proximidades da atual Praça Mauá, compreendendo as antigas freguesias e localidades de Cidade Nova, Santana, Santo Cristo, Saúde e Gamboa constituía-se o núcleo principal da comunidade baiana na cidade do Rio de Janeiro, antiga capital do Império e mais tarde da República. Pólo concentrador de múltiplas expressões da cultura afro-brasileira, da religião à música, a região tinha como centro a ‘Pequena África’ (expressão usada pelo escritor Roberto Moura, baseado numa afirmação do artista Heitor dos Prazeres, segundo a qual a Praça Onze seria ‘uma África em miniatura’), berço onde se gerou o samba em sua original forma urbana.” Nei Lopes.

Tia Ciata realizava grandes festividades em sua casa, associadas às comemorações religiosas, pois também tinha sua casa de candomblé; desses festejos participavam todas as tias filhas-de-santo como ela, mais outras amigas como tia Veridiana (mãe de Chico da Bahiana), tia Dada, tia Josefa Rica e tia Tomásia, todas respeitabilíssimas Tias baianas, verdadeiros “úteros” geradores do samba. “Interessante notar que o tratamento 'Tia' é um misto de respeito e carinho usado para designar figuras que, pertencentes ao Candomblé, sobretudo de origem em Angola ou Congo, têm conforme preceitos religiosos, um certo grau ou muitos anos de iniciação, é um tratamento próximo ao de Mãe (Yalorixá).” A Mulher na MPB, Neusa M. Costa. Também eram presença garantida "os bambas" da época como Pixinguinha, Donga, João da Bahiana, Hilário Jovino Ferreira, Heitor dos Prazeres, Sinhô, Caninha, Didi da Gracinda, Marinho que Toca (pai do compositor Getúlio Marinho), Mauro de Almeida, João da Mata, João Câncio, Getúlio da Praia, Mirandella, Mestre Germano (genro de Ciata), China (irmão de Pixinguinha) e Catulo da Paixão Cearense. Foi neste ambiente, onde se juntavam fundadoras de Ranchos, conhecedoras de diversos ritmos e sons africanos, mães e avós de grandes compositores e ritmistas e esses “bambas” que nasceram, se criaram e tornaram parte deste meio, que surgiram diversos sambas, entre eles‘Pelo Telefone’, festejado como o primeiro samba gravado na historia.

“A figura de Tia Ceata surge nos textos como realmente a figura propiciatória, aquela que cria condições para que ajam as forças da Natureza, tal qual age a Mãe de Santo, Yalorixá, no culto africano: sua ação não é de criar ou gerar, ela própria, mas sim a de favorecer, de participar com seu instinto, ‘força de axé’ e conhecimento do ato de criação.” A mulher na MPB, de Neusa M. Costa. “Rancho que saísse e não fosse à casa da Asseiata, não era tomado em consideração, era o mesmo que não ter saído. Os sambas na casa de Asseiata eram importantíssimos, porque, em geral, quando eles nasciam no alto do morro, na casa dela é que se tornavam conhecidos da roda. Lá é que eles se popularizavam, lá é que eles sofriam a critica dos catedráticos, com a presença das sumidades do violão, do cavaquinho, do pandeiro, do reco-reco e do ‘tabaque’.” Na Roda do Samba, jornalista Vagalume.

sábado, 13 de novembro de 2010

Bastidor de palavras

Quando eu escrever
Meu último poema

Venha o sol cobrir
Toda palavra
Numa sombra tênue
Toda palavra
Que não costurei à luz.

À luz dos campos
Do meu Brasil.

Um homem a vida inteira atravessa
As palavras.
Sal de jangada
Na margem do rio imprime
O voo do pássaro.
A mão breve leva enxada
E água.

A vida vem no fim.

Quando eu escrever
Meu último poema
Porei o bastidor no mar.

Aves de agulha e linha
Terão no bico a imagem
E a bússola aguda
Apontará ao norte
A morte
Bordada no texto.

Palavra é sempre sempre
Peixe pescado na rede.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Breve Historia da MPB (3a. parte)

Para enriquecer as historias, destacarei algumas letras, que se destacam em meio a tantas obras de arte. Tivemos diversos ilustres desconhecidos do “grande público”, como Cândido das Neves, um compositor e poeta negro de muitas qualidades, que morreu muito novo, de tuberculose, em 1934, deixando letras como A Última Estrofe, Lagrimas, Apoteose do Amor eCéu Moreno, que transcrevo logo abaixo.

Céu Moreno. Candido das Neves.

Vem ó musa, vem cantar ...
As glórias do Senhor
eleva o estro meu
Vem, ajuda-me a ensinar
a Deus fazer um anjo da cor que Ele não tem céu.

Deus fizeste só então nevados serafins
de olhares tão azuis
Deus, perdão meu Deus, mas esqueceste não fizestes um anjinho moreninho de áurea luz.

Senhor, deixai quando eu morrer
minh'alma em penitência aqui mesmo sofrer
Não quero a vossa santa luz só de anjos liriais
de olhares tão azuis.

Deixai que minh'alma em seu fervor minore a sua dor aqui entre os rosais
Deixai, deixai minh'alma entre as verbenas
entre as rosas bem morenas
moreninhas ideais.

Se São Pedro se enganasse Ilustração por Julia Leonel
e um dia eu lá entrasse
sem mesmo Deus saber
eu poria em frente aos anjos
um turbilhão de arcanjos
morenos a resplandecer.

Mas um dia hei de tentar
e um anjo hei de levar
aos pés de Deus ... e enfim
hei de suplicar a Madalena
que também fique morena
que é formoso um céu assim.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Eles não usam Black Tie

Para quem não assistiu, vale muito a pena procurar e conhecer, pra quem já conhece rever nunca é demais !!!




terça-feira, 19 de outubro de 2010


"Não sei como se pode gostar de minha pintura. Porque minha pintura sou eu, e eu não gosto de mim."
Iberê Camargo

sábado, 16 de outubro de 2010

Acontece

A vida acontece é aos pouquinhos.
A morte também.

O que tenho calado aqui dentro
vem
na porção desse mundo
pequeno
que as pessoas tem medo de nomear.
A dor.

Por hoje o tempo escureceu.
E nas ruas
o vento
assobiou
assobiou tanto
que meu coração
sentiu a alegria
e quis colher palavras
que dormem no sábado de Itapetininga.

Por isso precisei caminhar.

Pra acordar as palavras
e que não saíssem tão secas
e fossem conforto e carinho
e silenciassem como os bois
figuram sua pose sem peso,

prendendo o tempo,
a posse do vento
e das coisas que se movem.

Mas as palavras estão
por conta do sono e tristes,
passam ao largo caminho,
falseiam a natureza

de outro tipo de semente.

Estão longe das mãos
que prenham
o fio da pipa
pra rebentar a vida no ar azul.

A poesia não nasce pros homens.

Vi muita vir de toco de árvore
que apodrece no olho da mata
e tem assobio de meninos por trás.

Os homens nunca perceberam que o vento
é apoio pra melodia que sai da boca.

O vento só
o vento que me fez sentir a alegria
o vento que conhece o fim.

Por isso tive que andar.

Acontece é aos pouquinhos.
A morte também.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Breve Historia da MPB (2a. parte)


Noel Rosa, não o melhor, mas o mais importante compositor da música brasileira, pois antes dele o único tema das letras era o romantismo, escreveu canções que são regravadas até nos dias de hoje, como Com Que Roupa?, Feitio de Oração, As Pastorinhas, Feitiço da Vila e Filosofia. “Um sujeito que dizia: ‘Que vou fingindo que sou rico pra ninguém zombar de mim’. ‘Fingindo que sou rico ...’, porque ele era riquíssimo, arquimilionário, de inspiração, arquimilionário de amigos, de tudo. Noel era o próprio samba, Noel era a própria Vila Isabel. Ele imortalizou a Vila Isabel. E se imortalizou em suas obras.” Ciro Monteiro, Programa Ensaio, 1972.

O mesmo Noel, morto em 1937, com apenas 26 anos de idade, deixou mais de duzentas composições, muitas lançadas após sua morte. O Poeta da Vila se reunia num determinado bar preferido, na Guanabara, com o Rei da Voz, Francisco Alves, um dos três maiores cantores da nossa história, pragmático garimpador de compositores, que vivia pelos morros e escolas de samba, em busca de parceiros para seus lançamentos que sempre eram sucesso de público, o que ocorreu entre 1926 e 1952, quando morreu aos 54 anos, em acidente de carro. “Sua morte arrancou lágrimas no Brasil inteiro. Os seus restos mortais foram transportados para esta capital durante a noite, e no dia seguinte filas intermináveis passaram diante do seu esquife. Multidões compungidas, chorosas, saudosas do seu ídolo desaparecido.”, assim noticiou o Jornal do Brasil, em referência ao acontecimento.

Também era presença garantida, ao redor da mesa, nas noites distantes da boemia carioca, Ismael Silva, outro importante compositor, parceiro exclusivo de Chico Alves, durante os anos de 1928 a 1935; um dos fundadores da 1ª. Escola de Samba da história a Deixa Falar que depois se chamaria Estácio de Sá; que divide com Bide (Alcebíades Barcelos) o mérito de ter inventado o tamborim. “Chico Buarque o tem na condição de primeiro mestre. Vinicius de Moraes, que lhe exaltava na obra, em primeiro lugar, ‘aquela perfeita maciez melódica’, reputo-o ‘um dos três maiores do samba carioca’. José Lins Grunewald confirmava-o, ao lado de Sinhô e Noel Rosa, no ‘trio básico de sambistas puros da fase de ouro da nossa música popular.’ ” Moacyr Andrade, Ensaio, TV Cultura. Esta união produziu clássicos como Quem Não Quer Sou Eu, Adeus, A razão dá-se a quem tem, Não Tem Tradução.

Infelizmente, como boa parte dos compositores e ritmistas ligados as raízes de nossa musica, Ismael Silva morreu pobre e solitário em 1978 com 72 anos de idade. “Pois bem, então eu vivo sozinho, infelizmente, mas eu tenho planos feitos, não hei de ficar assim toda a vida, não. Inda tenho que me casar, mesmo assim(...) Sou negro e como negro devo achar meu caminho na vida. A libertação muito recente não modificou em nada nossa situação. Somos postos de lado nas escolas, nos serviços. A identidade que nos envolve é penosa e devemos lutar para preservá-la. (...) Anote ainda duas coisinhas mais aí: o samba provocou a substituição da música européia pela de origem africana, na sociedade brasileira e mais: quando é que a gente poderia imaginar que aquelas brincadeiras fossem dar nisso? Uma coisa de esquina encher avenida? Hoje isso não é mais escola. É universidade, é academia, é faculdade, sei lá! A festa maior. Que coisa! (...) Faço sambas, vivo na pendura – vou ser internado para uma cirurgia. Tenho 72 anos. Quando sair do hospital vou fazer o circuito universitário, me apresentar emshows, cair nas atividades. O velho sambista tem de lutar pela sobrevivência, não é? ” Ismael Silva, Programa Ensaio, 1973 e em depoimentos para livro.


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Filosofia

“Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que se eleve acima do ridículo.
O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo em que um Negro tenha mostrado talentos, e afirma: dentre os milhões de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos, constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no mundo certo prestígio, por força de dons excelentes. Tão essencial é a diferença entre essas duas raças humanas, que parece ser tão grande em relação às capacidades mentais quanto à diferença de cores.
A religião do fetiche, tão difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria, que se aprofunda tanto no ridículo quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um pássaro, o chifre de uma vaca, uma concha, ou qualquer outra coisa ordinária, tão logo seja consagrada por algumas palavras, tornam-se objeto de adoração e invocação nos esconjuros. Os negros são muito vaidosos, mas à sua própria maneira, e tão matraqueadores, que se deve dispersá-los a pauladas.”

(KANT, Observações sobre o sentimento do belo e do sublime: pág. 75-76)


“A principal característica dos negros é que sua consciência ainda não atingiu a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o homem se encontraria com a própria vontade, e onde ele teria uma idéia geral de sua essência [...] O negro representa, como já foi dito o homem natural, selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda moralidade e de tudo o que chamamos sentimento, para realmente compreendê-lo. Neles, nada evoca a idéia do caráter humano[...] A carência de valor dos homens chega a ser inacreditável. A tirania não é considerada uma injustiça, e comer carne humana é considerado algo comum e permitido [...] Entre os negros, os sentimentos morais são totalmente fracos – ou, para ser mais exato inexistentes.

(HEGEL, Filosofia da História, pág. 83-86)


“O escravo moderno não difere do senhor apenas pela liberdade. Mas ainda pela origem. Pode-se tornar livre o negro, mas não seria possível fazer com que não ficasse em posição de estrangeiro perante o europeu. E isso ainda não é tudo: naquele homem que nasceu na degradação, naquele estrangeiro introduzido entre nós pela servidão, apenas reconhecemos os traços gerais da condição humana. O seu rosto parece-nos horrível, a sua inteligência parecenos limitada, os seus gostos são vis, pouco nos falta para que o tomemos por um ser intermediário entre o animal e o homem”

(TOCQUEVILLE, A democracia na América: pág. 262).


terça-feira, 5 de outubro de 2010

E TuDo mAiS jOgO nUm VeRsO... Waly...

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

só Luis Melodia salva...

será que foi meu poema que assustou ele?
(a fenda, a escada de incêndio)

ou terá sido meu elogio ligeiro a todo aquele escancaro de arte bem na minha cara?

viver é tão ardido...
acho que vou evitar.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Chuva

Era a janela do meu quarto.

Eu via a chuva
cair sem tempo
e a ventania.

A chuva só vinha pesada
quando
ventava.

Jabuticabeiras gritavam
meu nome
numurrolongo.

E no fio das coisas
estendido
de varal sem roupas
eu atravessava o quintal.

Era o caminho que me levava
para o mundo lá fora
no movimento instável de tudo.

Meus pés sabiam
a linha suave
da cor desmanchada
do aguaceiro...

Chovia porque chovia
e eu ainda pequeno.

Na cozinha,
junto ao pão,
minha mãe rezava,
pedia tanto,
com tal fervor,
que o céu parasse.

Pedia tanto, tanto,
com tal fervor...

Não imaginava
que eu me equilibrava
na alegria.

Queimava palmas
à boca do fogão
(bentas e secas).
Palmas, acalmai...
(a fumaça das cinzas
sequer alcançava o teto)

Nem imaginava.

O Deus a ouvia
e me esquecia.

A chuva então se punha branda
e meu corpo no ar
fugia pro chão de tacos
ao lado da cama.

Meu mundo voltava
ao sussurro descansado
da garoa.

Por tempo eu esperava
o retorno da água,
do ar girante,
do trovão,
de algum relâmpago.
Dormia.

No meu sonho, jabuticabeiras
Gritavam
em meio à alegria
do vento que havia passado.

Rua

E o que vemos são pessoas
Movendo apressadas
O trajeto da manhã.

Enquanto mulheres,
Na sua jornada múltipla,
Pela rua, pela rua,
Tecem a engrenagem dos dias.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Oh, labareda te encostou

Labareda
O teu nome é mulher
Quem te quer
Quer perder o coração
Rosa ardente
Bailarina da ilusão
Mata a gente
Mata de paixão
Labareda- Vinícius de Moraes

sábado, 25 de setembro de 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

reza

Saluba Nanã!
me proteja.

Minha Mãe,
força de tanta força
na minha cabeça

eu visto um colar de botões brancos.

O que fecha abre
o que abre,
fecha
e tudo são círculos.

Tudo são estradas.

Elementos da lama, da muita força das idades
me proteja

que eu preciso caminhar rente.

Minha Mãe,
respeito e chão.

Que tudo são águas.

mãe mulher Iracema,
grávida de mim
tinha desejos imensos de comer terra.

A casa era de barro.
Ela madrugava insônias em busca de colheres,
raspava a parede, o barro da parede, de desejo que tinha
e comia.

mãe mulher Iracema,
guerreira de fala pequena,
de olho exato, de couro
nos pés
pilão.

Saluba Nanã!
me proteja minha Mãe.

Que tenho choros desconhecidos no ventre.

Proteja das calmas, proteja das dúvidas.

Senhora de idades incontáveis
Firme no meio do escuro
Firme desde o saco da criação
Firme Orixá.

Minha Mãe, e se não for?
Perguntas não há.

Mulher de placenta de palito de dendê
me receba.
Porque eu vou nascer.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010


"A natureza criou o tapete sem fim que recobre a superfície da terra. Dentro da pelagem desse tapete vivem todos os animais, respeitosamente. Nenhum o estraga, nenhum o rói, exceto o homem." (Monteiro Lobato)

Breve Historia da MPB (1a. parte)

Estou sempre discutindo o porquê da minha insistência e prazer em ouvir, conhecer e estudar os nomes históricos de nossa MPB, em que se destaca, ao meu ver, o Samba Carioca e o Paulista. Tentarei explicar esse porquê, começarei por uma simples relação e um pouco da história de alguns gênios de ritmo, voz, melodia e letra/poesia que surgiram entre as décadas de 20, 30 e 40.

Pixinguinha, o maior músico da história da MPB, tocava diversos instrumentos com desenvoltura, especialmente a flauta e o saxofone; escreveu dezenas de músicas, como, por exemplo, Carinhoso, uma das composições mais conhecidas e tocadas em nosso país; fez incontáveis arranjos durante o tempo que trabalhou como orquestrador para gravadoras brasileiras; foi quem transformou o chorinho num estilo musical, estilo comparado ao jazz estadunidense pela capacidade de improvisação.

“Mas eu acho que o choro, acima de tudo, assim, de uma forma parecida com o jazz, é um espírito, uma maneira de tocar, de frasear, de sentir a coisa da improvisação, por exemplo, que existe nas duas músicas, mas que é muito diferente numa e na outra. É, o choro tem muito mais... A improvisação é menos ... A improvisação no choro é uma coisa muita mais rítmica (...) Cada vez se descobre que ele é maior do que se pensava. E eu acho que isso é interessante pro brasileiro ficar mais ligado e também sentir um pouco uma dimensão mais ampla, mais universalizante da coisa, da figura, porque o Pixinguinha é grande demais, tem que ser muito estudado e muito tocado, tem muita coisa para fazer sobre esse assunto (...) E teve uma vida toda muito interessante. Eu acho que foi um sujeito fiel a tudo que gostava, que acreditava, a coisa das raízes africanas, foi o cara que fez a síntese do choro, um dos pais da orquestração no Brasil, um monte de coisas.” Henrique Cazes, Programa Ensaio, TV Cultura, 1993.

“Em 1971, um daqueles momentos que levavam seus amigos e considerá-lo santo: sua mulher, dona Beti, passou mal e foi internada num hospital. Dias depois, foi ele acometido de mais um problema cardíaco, foi também internado no mesmo hospital, mas, para que ela não percebesse que também estava doente, colocava um terno nos dias de visita e ia visitá-la como se estivesse vindo de casa. Dona Beti morreu no dia 7 de junho de 1972, aos 74 anos de idade, e ele no dia 17 de fevereiro de 1973.” Pixinguinha, Vida e Obra, Sérgio Cabral.

Pixinguinha gravou, em 1968, o disco intitulado Gente da Antiga, com a presença de João da Bahiana, um dos pais do samba, que foi quem introduziu o pandeiro no samba e um dos maiores ritmistas do prato com faca, que nada mais é que tocar um prato de barro com uma faca de serra, extraindo disso uma sonoridade ímpar. Nos poucos discos que conseguiu gravar, sempre privilegiou os ritmos africanos, gravando corimás, com algumas palavras em dialeto africano, pontos de macumba de sua autoria, macumbas como Sereia e Folha por Folha e ritmos afro brasileiros como Lamento de Inhançã e Lamento de Xangô. Se não bastassem esses integrantes, o disco contou com a presença imponente de Clementina de Jesus, a mais impressionante voz já existente na música brasileira, descendente de escravos, pode-se dizer que sua voz era a ligação entre a senzala e o samba, África e Brasil. “Ficou conhecida como a Rainha Ginga ou Quelé, a primeira homenagem foi dada devido a sua importância e grandeza na música popular, e a segunda devido à corruptela carinhosa de seu nome. (...) Seu pai foi mestre de capoeira e violeiro. Com a mãe, aprendeu os cantos de trabalho, partidos-alto, ladainhas e jongos, assim como corimás e pontos de macumba. Trabalhou muitos anos como empregada doméstica e somente aos 63 anos começou a carreira artística.” Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. O disco foi gravado em apenas duas semanas, contava com músicas de domínio público que abordam temas das religiões africanas, sambas e choros consagrados, executados com maestria e total harmonia entre os músicos e cantores, pode ser visto como uma apresentação de luxo para quem quer conhecer os estilos, um dos maiores clássicos da MPB.


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Velamar

Brinco com palavras
Pra me esquecer um pouco.

E fecho o navegar,
Atravesso oceanos,

Sem âncora mergulhada.
A vida deveria ser suave.

Brinco com palavras
Por ter preguiça de dizer.

Apenas por brincar.
A vida não deveria ser séria.

É esquecimento.

E no sono em vento e velamar
outra vida se faz.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Salve o Povo Xucuru

Vejam o Documentario no endereço abaixo:

http://www.nacaocultural.pe.gov.br/documentario-xicao-xucuru/


O grupo Mundo Livre S.A. fez uma música em homenagem ao Cacique Chicão chamada "O Outro Mundo de Chicão Xukuru"

Numa faixa de terra de 28 mil hectares
localizada no Agreste pernambucano,
habitam cerca de 8 mil seres da espécie humana.

Eles não querem vingança
Eles só querem justiça
Querem punição para os covardes assassinos
de seu bravo cacique Chicão

Eles não querem vingança
Eles só querem justiça,
justiça, justiça

Distribuídos por 23 aldeias
Permanecem resistindo após quase 500 anos de massacre e perseguições.
Reivindicando, nada menos, que o reconhecimento e a demarcação da terra sagrada que herdaram de seus ancestrais.

Ele não vai ser enterrado
Ele não vai ser sepultado
Ele vai ser plantado
para que dele nasçam novos guerreiros

As autoridades policiais tinham pleno conhecimento dos atentados e das ameaças.
Ainda assim, nada fizeram para evitar mais este crime, muito conveniente para os latifundiários da região.

"Nós não temos a terra como um objeto de especulação
A gente sabe que quando Deus criou a terra, Ele não criou para ninguém fazer da terra um comércio"

Muito conveniente para os latifundiários da região
Justiça...

Comenta-se que alguns deles têm parentesco com certos figurões da "República Branca", entre eles um, apelidado pelos federais de "Cacique Marcão".

"Então se nós dependêssemos unicamente dos parlamentares brasileiros, então, dos índios do Brasil, não existiria mais nenhum, o resto já tinha sido todo morto queimado, assim como queimaram Galdino"

Ele não vai ser enterrado
Ele não vai ser sepultado
Ele vai ser plantado
para que dele nasçam novos guerreiros

Ele vai ser plantado
assim como vivia
debaixo das vossas sombras
Para que de vós nasçam novos guerreiros.

E a nossa luta não para
E a nossa luta não para
E a nossa luta não para

"Vocês têm certeza, têm consciência de que eu sou ameaçado"
"de que eu sou ameaçado..."

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O pasto e o mar

Quando a noite chegar
para interrogar meu dia,
procurará nos meandros
da claridade
aquilo que foi quase sol
ao sol a pino,

a penumbra de árvores
sozinhas entre pastos
em linha reta
cortados por estradas de terra,

o pó pegando
no zunido intermitente
da vespa contando as horas
que esperavam no dia quente.

Todo o sono que eu tinha,
movia na rede da tarde.
(outras redes davam peixes)

O mar longe, tão longe,
excluía o pêndulo de tudo,
dos dias atravessados,
da minha infância...

Ele tinha um jeito molhado de moringa,
esse mar,
do tempo deixado de lado
da água dum rio enorme oceano.

O mar circundava o mundo.

E no canto do grande chão
estava eu.
Em busca das poucas sombras
encurtadas pelo sol.

Velas passavam
no pano da água,
jangadas sem peso
na imaginação.

Outras redes
mansamente davam bois.


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Passarinho, passa-rio.

Hoje senti o tempo envelhecer.
Pássaro pesado
sobre as vozes das pessoas.

Há um rio em cada um de nós
sem propósito algum
levando sempre o que fomos
num barco
possível.

O rio chamando chuva
bambus inventando o chão
sobrando seixos ao redor
e o vento
sempre o vento
me deixando pra depois.

Palavras não encontram pouso.
Por isso as ponho no papel,
para que descansem no único ninho
e sintam a ação amarelando a pauta
ressecando o suporte
desgastando a tinta.

Hoje tive um tempo de esquecimento
Pra não chorar.

Quero esquecer todo amanhã.

Hoje tive um tempo...
Passarinho da tarde azul
voando tão longe de mim,
quem pôs saudade na água?

Esse menino sou eu
procurando uma saudade
que ainda não aconteceu!

(Viria mais tarde,
Num tempo maior, infinito)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Lembrando Maria Teresa Moreira Jesus

"Ó, não tenho nenhum livro pra ler. Nenhum.
Nem reler. Meu som quebrou. A casa está limpíssima. Frio.
Não vou mesmo ao cinema nem à igreja.
Frio. Já tomei cinco cervejas, me masturbei. Já jantei,
almocei e caguei. Ou é muita paz ou é lombra.
Também matei as pontas."

(Ruidos, 2003: 79)
PretaH2 Zine1
A Eva foi lá e pá
nos arbusto do Adão.

E agora nóis é culpada?

sei...

Sou dessa maçã não.

domingo, 25 de julho de 2010

Caminho em triste lamento

Sinto o frio que me adormece as mãos,

O peito.

E sinto a água que arrefece as sílabas

Do verso.

Sinto a palavra que me comove

O facão.

Há cortes que eu quisera na vida

E que arremessam longe

O tronco do ipê

Cerrado.

Ontem andei num canto sem norte.

Hoje me aborrece o caminho.

E no passo que dou

Sou mouco em palavra,

Lágrima

Ou água.

Essa água que inunda tanto,

Enquanto estou

Criança

No vento

Da terra que me pôs gente

E que faz minha poesia

Falha e

Sem aplauso.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

quarta-feira, 14 de julho de 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Segredo antigo

As árvores naturais
Que agora me cercam
Sabem que um dia
Enterrei ao pé delas
Uma nota de cinco cruzeiros.

A tarde era diáfana.
Escolhia folhas
Para aquecer do frio,
E os reflexos dos raios de sol
Reverberavam nelas,
Mantendo a integridade das coisas.

Sequer tinha visto uma tarde como aquela.

As árvores naturais me viram menino
Achando que enterrava um segredo
No campo da escola.

Me parecia,
Freirinhas deslizavam
Sem pés
Pelo plano,

Terra de inverno.

Na língua que então carrego,
E que marcou de saudade
Os meus dias brasileiros,
Todo plano se fez chão.

As freiras esculpiram a esperança
Caminhando indiferentes
Na minha infância.

E não perceberam que eu voltei ao mesmo lugar
Onde pus a nota
Para ver se ela ainda estava lá.

Às quinze horas ajeitei o blusão.
Nas mãos sujas, rasguei o dinheiro
Que eu havia redescoberto da terra
Que o recolhia...

As árvores naturais
Sobranceiras
Pelo caminho da minha vida
Sabem.

A minha esperança continua lá,
Ficou até hoje,
Entardecida,
Fotografia que se vela novamente.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Nelson Rodrigues

Grande texto do genial Nelson, pena que o atual técnico da seleção da CBF, age igualmente os entendidos de 1970, negando o verdadeiro valor e beleza do futebol brasileiro, e viramos patriotas sem eiras nem beiras ...

DRAGÕES DE ESPORA E PENACHO

Amigos, foi a mais bela vitória do futebol mundial em todos os tempos. Desta vez, não há desculpa, não há dúvida, não há sofisma. Desde o Paraíso, jamais houve um futebol como o nosso. Vocês se lembram do que os nossos “entendidos” diziam dos craques europeus. Ao passo que nós éramos quase uns pernas-de-pau, quase uns cabeças-de-bagre. Se Napoleão tivesse sofrido as vaias que flagelaram o escrete, não ganharia nem batalhas de soldadinhos de chumbo.

Era mais fácil encontrar uma girafa em nossas redações do que um otimista. O otimista era visto, e revisto, como um débil mental. Quando o escrete saiu daqui, as hienas, os abutres, os chacais uivavam: — “Não passa das quartas-de-final!”. Fazia-se uma campanha do pessimismo. E os “entendidos” recomendavam: “Humildade, humildade!”. Como se o brasileiro fosse um pobre-diabo de pai e mãe. Eu me lembro do dia em que João Saldanha foi chamado para técnico do escrete. Tivemos uma conversa de terreno baldio. E me dizia o João: — “Vamos ganhar de qualquer maneira! O caneco é nosso!”.

Raríssimos acreditavam no Brasil. Um deles era o presidente, que me dizia: — “Vamos ganhar, vamos ganhar” — e que, ainda no sábado, dava o seu palpite para a finalíssima: — “Brasil 4 x 1”. Mas os “entendidos” juravam que o futebol brasileiro estava atrasado trinta anos. E a famosa velocidade européia? Essa velocidade existia entre eles, e para eles. Mas o Brasil ganhou de todo mundo andando, simplesmente andando. Com a nossa morosidade genial nós enterramos a velocidade burra dos nossos adversários.

Sempre escrevi (graças a Deus, não “entendo” de futebol), mas escrevi que a finalíssima de 66 foi o antifutebol e, repito, uma pelada da pior espécie. Mas ai de nós, ai de nós. O “entendido”, só de falar da Inglaterra e da Alemanha, babava na gravata. Queria acabar com o gênio, a magia, a beleza do nosso futebol. Mas, sem querer, com sua inépcia, com sua incompetência, os “entendidos” acabaram prestando um grande serviço, porque tornaram os brios do escrete mais eriçados do que as cerdas bravas do javali.

O curioso é que os não entendidos é que acreditavam na seleção. Por exemplo: — o Walther Moreira Salles. Pôs-se à frente de todo o movimento de apoio financeiro ao escrete. Não faltou quem lhe dissesse: — “Não faça isso. Esse escrete é uma droga”. Coisa curiosa: — em momento nenhum o Walther Moreira Salles deixou de acreditar na nossa seleção. Muitas vezes me disse: — “Eu sei que vamos ganhar”.

Paro de escrever para atender o telefone. É o Vadinho Dolabela, o último boêmio, o último romântico do Brasil. Chora no telefone: — “Nelson, ganhamos, Nelson! O caneco é nosso!”. Que ele seria nosso estava escrito há 6 mil anos. Nunca uma seleção fez, na história do futebol, uma jornada tão perfeita como o Brasil em 70. Ganhamos de todos os pseudocobras. Todas as finalíssimas são duríssimas. Alemanha x Itália, em 38, exigiu prorrogação. Quando o jogo acabou, os craques deitavam-se no chão, muito mais mortos do que vivos. Alemanha x Inglaterra, nova prorrogação, tanto em 66, como em 70. O Brasil não precisou de um minuto a mais.

E nós, ontem, demos um passeio. Quem fez o gol da Itália, o franciscano gol da Itália, não foram os italianos. Foi uma brincadeira de Clodoaldo. Esse notabilíssimo craque, sergipano quatrocentão, resolveu dar uma bola de calcanhar. O inimigo recebeu de presente, recebeu de graça, o passe e o gol. Ao passo que os gols brasileiros foram obras de arte, irretocáveis, eternas. A cabeçada de Pelé, na abertura da contagem, foi algo de inconcebível. Ele subiu, leve, quase alado, e enfiou no canto.

Em suma, cada gol dos nossos era uma preciosidade. Já na véspera as maiores autoridades do futebol declararam, unanimemente, que o Brasil tinha que ganhar o jogo, porque era muito melhor. Esse era o óbvio ululante, que o mundo enxergava, menos os “entendidos” daqui. Antes que eu me esqueça, preciso observar o evidentíssimo: — ganhamos dando, no adversário, um banho de Paulina Bonaparte. Dizia-se que os italianos eram formidáveis. Perderam de 4 x 1 para nós, e devia ser de 4 x 0. Ou melhor: — e nem de 4 x 0, mas de 5 x 0, e explico: — no último momento, Rivelino, driblando todo mundo, invadiu a área e ia entrar com bola e tudo, quando sofreu o mais cínico, o mais deslavado dos pênaltis. Era um gol mais do que certo. Ainda tivemos que enfrentar um árbitro altamente pernicioso..

Amigos, glória eterna aos tricampeões mundiais. Graças a esse escrete, o brasileiro não tem mais vergonha de ser patriota. Somos 90 milhões de brasileiros, de esporas e penacho, como os Dragões de Pedro Américo.

[O Globo, 22/6/1970]

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Armazém

Se tudo parecia assim
palavra pesada a quilo
vendida a granel
na sacaria insossa

É que eu ainda menino
me punha na penumbra
do armazém
e ficava tentando entender
por que as aranhas
faziam teias no teto
tão alto, alto.

Me escondia atrás do sal.

As vozes negociavam com meu avô.
Laconicamente, o balcão envelhecia.
Madeira.

Às vezes chovia
e eu dormia esquecido
num vão
entre fardos de milhos
e grandes latas de querosene.

Alguém comprou minha infância em espécie.

(anjo bom anjo mau)

E espalhou as sementes
nos campos da tarde.

No mato de Itapetininga.

domingo, 30 de maio de 2010

Domingo: Crusp (Estudo)


ligue o rádio, ponha discos, veja a paisagem, sinta o drama: você pode chamar isso tudo como bem quiser. Há muitos nomes à disposição de quem queira dar nomes ao fogo, no meio do redemoinho, entre os becos da tristíssima cidade, nos sons de um apartamento apertado no meio de apartamentos.

Torquato Neto.

sábado, 29 de maio de 2010

Contraste



semeie flores... colherá o perfume. semeie carinho... colhera amizade. semeie sorrisos... colhera a alegria. semeie a verdade... colhera a confiança. semeie a vida... colhera milagres. semeie a fé... colhera certezas. semeie o amor... colhera a felicidade...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

diálogo de loucos não: amistoso no frio

Olha só,
foi um escancaro.
Parto-cesária da palavra na garganta

(agora é a fenda, a escada de incêndio)

Antes eu estava dispensando resposta
e a pergunta.
Bastava
a idéia,
o nome
(o corpo, a cor e
a própria polpa)
do poema
fruta-pão tão volúvel e tão onívora.

Era uma saudade
Um guincho ou gemido
aguardando
no ouvido, que desembocava em coisa
díspar e idem.
Uma eclosão, uma emergência.

(pois se longe das mãos, as pessoas, os poemas eram o jeito que eu tinha).

Mas
se o redemunho que constrói é a gente, a calmaria também
(na poesia)





terça-feira, 25 de maio de 2010

domingo, 2 de maio de 2010

Domingo Melancólico


Gloomy Sunday (Domingo Melancólico) tem sido versionada por numerosos cantores, ainda que foi Billie Holiday quem a popularizou em 1941. Segundo a lenda urbana, esta canção tem inspirado centenas de suicídios. Gloomy Sunday foi conhecida como "Hungarian suicide song" ("a canção húngara do suicídio") nos Estados Unidos. É verdadeiro que seu autor, Seress, se suicidou em 1968, mas a maioria dos rumores a respeito da canção são infundados e foram reproduzidos como uma campanha de marketing deliberada.





Domingo Melancólico

O domingo é obscuro, e as horas nunca passam
As mais queridas sombras com as quais vivo são inúmeras
Pequenas flores brancas nunca irão te acordar
Pelo menos não aonde a negra carruagem da dor te levou
Os anjos nunca pensarão em te devolver à vida
Será que eles ficariam bravos se eu pensasse em me juntar a você?

Domingo melancólico

Domingo melancólico, com as sombras com as quais eu convivo
Meu coração e eu decidimos acabar com tudo isso
Logo haverão orações e velas serão acesas, eu sei
Não deixe-os chorar - avisem-os que eu estou feliz em partir
A morte é um sonho, e nela eu estou te acariciando
Com a última respiração de minha alma, estarei te abençoando

Domingo melancólico

Sonhando
Eu estava apenas sonhando
Eu acordo e te encontro adormecido em meus braços
Meu bem...
Meu amor, espero que o meu sonho não tenha te assombrado
Meu coração está te dizendo o quanto eu preciso de você

Domingo melancólico
É absolutamente um domingo melancólico
Domingo melancólico
Domingo...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Rosinha de Valença


Rosinha de Valença toca uma das melhores composições de Baden Powell.




terça-feira, 13 de abril de 2010

Geraldo Filme

Documentario sobre um dos maiores nome do Samba de São Paulo.





Geraldo Filme - Programa Ensaio




segunda-feira, 12 de abril de 2010

Solano Trindade

TEM GENTE COM FOME

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dzier
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Ontem

Ah as pedras morrendo no tempo.
Esse sítio de aves repartidas.

Ontem me vi perto do chão, da terra.

Mansamente me vi perto do chão, da terra.

E esse galo, que agora atravessa
O meio das coisas,
Com seu canto,
Veio botar
Dentro
Da terra em cordão
Que trago batendo comigo
O compasso da vida.

Meu coração ditará, um dia,
Não há democracia no país das vísceras,
Quando a narrativa deve terminar.

E assim, na luz que completa a tarde,
Nascerá em mim
A dor das árvores postas,
As pedras, as aves
No passo de existir.

Ontem colhi as roupas dos varais pela nação,
Pela periferia,
Nesse lúcido campo sem centro,
Como se acarinhasse
Com ternura
A mulher que as lava.
E ela adormecia num país justo...

Ontem fui a vida inteira.

terça-feira, 16 de março de 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Parque Estrela Dalva

"É onde o povo joga os cachorros mortos para os urubus comerem."–Arredores de Brasília, Luziânia. Frase de uma mãe, sobre o suposto lugar onde encontraria o corpo do filho desaparecido.

A mãe andou, atravessada do campo, por cerca de um tempo grande. Cansada, o lenço na cabeça, as mãos apanhadas de vento e calos. As palavras perdiam-se como da vez que tentara ler o livro da escola. Vinham zunindo. Costumava pensar que tudo agora faltava, a lata d’água, a construção de mais um quarto no sobrado sem reboque, ou as crianças, caçando alguma pipa no fim do mundo. E só parecia o barulho da abelha dentro, dentro, dentro.

No entanto, a voz do seu menino mais velho não saía dos ouvidos. Três dias que ela esperava. Em vão não preenchido. A aflição viera na primeira noite. Sem aviso, ele tinha deixado as coisas desarrumadas, mas sempre fizera desse modo. Depois, no almoço, estava lá. Talvez, sem perceber, ele tivesse entrado numa grande bolha de sabão que lhe levara longe. Não dormira em casa. A roupa deixada no tanque tornara-se uma pasta. Três dias. O filho sumido, tempo sem espaço, os lugares sem mudanças.

Andara muito para chegar ali, saíra em desvario, sem falar coisa, as palavras que sempre surgiram do trabalho num país injusto, calhavam mortas. Seguiria sem desvio em direção contínua, mas, a poucos minutos de ver as aves pesadas e leves do ar, parara para colher pedras. Como se pegasse na mão lágrimas calcificadas. Mãe agachada, arfando os entraves do peito, do homem posto de cachaça, da violência do salário, de uma gravidez entrada no caminho inverso da barriga.

Então caía o céu. As cores num precipício. Perto da lavoura cegada, pássaros que não voavam. Ah, tivesse um peito livre, um peito assim, sem as pedras em sua mão. De mãe. Era pouco agora o caminho para encontrar o filho morto. Mas, nos olhos dela, a vida dele passava, mão da ave abraçando o mar. O menino sendo de sua barriga, sabendo andar, correndo pelas beiras, fazendo o espaço da ruelas a volta da escola, já quase homem, bebendo, tendo a roupa do trabalho. Como descolar da retina seu crescimento?

A retina dói mais que o coração.

A retina dói, dói tanto.

Em voz baixa, rezou o que não sabia. Apagar o dia antes do ontem, sumido o moleque, vieram de chofre seus dezessete anos, nessas últimas horas de boi arrastado, macerando o capim das manhãs. Em busca, faltavam-lhe forças para levantar o corpo, pôr os pés em frente, acontecer no campo o fim. Onde sabia que ele devia estar. Porque saído assim cedo de casa, menino bom, pretinho em volta da vida, não voltara. Diziam, volta, sentindo falta de casa, volta, debandou pros outros lados, mas era trabalhador, tem escola...

Seu bairro cortou-se em procura. Mais desapareceram, uns quatro ou cinco. Outras mulheres choraram. As casas tiveram medo, janelas ganharam mudez, as portas abriam-se só pela gente do interior das pequenas salas, como se não existissem outros cômodos, senão aqueles que recebiam a rua.

E o carnaval, então, servido na televisão? Estourando na tela, para quê?

A retina dói mais que tudo.

Foi aí que sentada, atônita, decidiu andar. Sabia a direção, ensinaram o lugar. Lá onde o povo joga os cachorros...

Não chorava, mas suas mãos carregavam as duas pedras. Mais esse monte, uns passos indecisos e veria no lugar o corpo do filho. Porque nesse país, morrer é o mato que vem do chão. Lento, preciso, inexorável. As pedras cresciam bolas, enchiam suas palmas, estavam gordas como um feto, e os dedos tinham seu pulsar de rocha, coisa viva, coisa morta. Enquanto os olhos começaram a descobrir o campo, viu os bichos voando no arco do ar. Pousando na ponta aguda da vida deixada. As pedras, as pedras pediam-se de encontro aos pássaros.

A retina seca o tempo. O braço em convulsão lançou uma, depois outra. Na violência, o risco desenhado encontrou o grupo sobre o que lá estava. Seu grito materno comeu as entranhas. Cada ave ganhou o voo, pairou num bater de asas brando, depois desceu de novo. Os grasnados, fugidos no vento, brotaram o silêncio. Angulosos, os urubus pastavam um único cachorro sem vida, jogado por alguém do povo no começo do dia.

Meu lema

Composição: João Nogueira e Gisa Nogueira

Vindo do cansaço dos abraços
De amores ido, já perdidos
Eu me encontrei, morena, em meio a solidão
Jurei não dar nem mais um passo
Que fosse me levar ao encontro da paixão
Do mundo muito eu já sei
Porém, muito tenho que aprender
Não, não quero amar sem paz
Eu já sofri demais
Discreto o amor agora tem que ser
Tudo que ficou pra trás
Já não importa mais
O amor é só você
Não vivo de novelas
Já vi muitas delas
Castelos fantasiados
Sonhos tão azuis
A vida me ensinou, morena
Esse é meu lema
Amar demais só faz pesar a dor
A vida me ensinou, morena
Essa é meu lema
Amar demais só faz pesar a dor.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Carnaval, festa de quem ?

“Publico aqui texto lançado em Junho de 1996 no zine Não Racismo, de minha autoria.”


O Carnaval, infelizmente, deixou a muito tempo de ser uma festa popular, pois o que muito se vê no Carnaval é a simples e pura exploração do sexo, como sua maior virtude. Existem até canais de TV, tipo Manchete, de que ninguém ouve falar durante o ano inteiro, mas que durante o carnaval, por apresentar nas noites “famosos” bailes, voltam a ser lembrados e assistidos pelo publico.

Porém o ponto mais importante a ser abordado é o da exploração dos negros e pobres, nesta festa que muitos ainda consideram o “maior espetáculo da Terra”. Sendo eles os principais responsáveis pela realização do carnaval de rua, por contribuírem com sua criatividade, ritmos e trabalho. Então eu pergunto: porque a maioria dos destaques das escolas de sambas - madrinha de bateria, destaques dos carros e “diretores das escolas” -, são pessoas brancas e no padrão de beleza globais (racista) ?

Certamente, porque a TV (GLOBO), não estaria interessada em transmitir o carnaval, se ele fosse uma festa realmente popular, e não mais uma maneira de aumentar o IBOPE.

“Os crioulos, é verdade, continuam se divertindo na bateria, na ala das baianas ou no trabalho escravo de empurrar carro alegórico.” Esta frase resume bem o que acontece no carnaval. As pessoas que realmente trabalham pelo carnaval (costureiras, que trabalham o ano inteiro confeccionando as fantasias, outras pessoas que trabalham para construir os carros alegóricos e todas a alegorias para o desfile), na hora mais importante, são jogadas para o segundo plano, em detrimento das pessoas que a Globo quer promover e de outras que tem dinheiro suficiente para realmente se divertir no carnaval.

O carnaval é também uma boa maneira de se vender muita cerveja, a Antártica, Brahma e Kaiser que o digam. E como sempre quem colabora para que isso aconteça é o pobre, que, muitas vezes, gasta o que não tem, somente para entrar na “folia”.

O carnaval é uma ótima maneira de alienar, ainda mais, o povo brasileiro, porque muitas pessoas passam o ano inteiro batalhando (pela própria sobrevivência), suportando as sacanagens do governo, trabalhando para construir um carnaval melhor que o anterior, para que possam se divertir, mas mesmo assim não vêem que continuam sendo exploradas e enganadas, também neste período. O que se vê então é o pobre alienado que se fode o ano inteiro e no Carnaval é tudo Globeleza.

O Carnaval deste ano, no Rio de Janeiro, ajudou a mostrar até onde vai a inconseqüência, por causa do dinheiro que é ganho pela elites com essa “festa”. O prefeito do R.J., havia sido avisado pelas autoridades competentes que entre Dezembro/95 e Fevereiro deste ano, haveria chuvas imensas na cidade, pois foi descoberto um dilúvio em gestação. Porém como o anuncio deste fato, poderia prejudicar muito a realização do Carnaval e os lucros obtidos com ele, as autoridades acharam mais interessante, engavetar o aviso e fazerem vista grossa.

Então, ocorreram as maiores chuvas que a cidade já presenciou , desde que começaram a ser medidas, a mais de setenta anos. E o que se viu, mais uma vez, foi a morte de vários inocentes, que poderiam ser salvos com um bom trabalho de prevenção. Porém além disto não ter acontecido, o que ocorreu foi a total falta de consideração das autoridades, que não se apresentaram no momento preciso e deixaram pessoas, que poderiam ser resgatadas, morrerem soterradas por falta de socorro. Mais de 6500 pessoas desabrigadas e 70 mortas foi o saldo final.

E apesar dessa tragédia, o Carnaval foi realizado, como se nada tivesse ocorrido, com a desculpa que não se pode misturar tragédia com alegria - palavras do presidente da liga das escolas de samba do Rio de Janeiro - e onde fica a tão falada humanidade do povo brasileiro, que sempre que pode tenta ajudar o próximo. Como alguém pode se divertir no Carnaval, com vários conhecidos e até parentes desabrigados e ferrados, com as conseqüências de uma tragédia desse tamanho. Talvez, porque quem realmente dita a vontade do povo brasileiro são as autoridades incompetentes e a mídia inconseqüente, verdadeiros interessados na realização do carnaval como ele é hoje em dia.


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Perdoando Deus

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.

Clarice Lispector

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

sábado, 30 de janeiro de 2010

Menina quem foi teu mestre?