sexta-feira, 31 de julho de 2009

Um sopro histórico de MPB. (4ª. Parte)

Roberto Martins é um, entre os vários artistas fundamentais, que freqüentaram a Praça Onze naqueles tempos idos, no início do século XX, onde se localizava a casa de Tia Ciata, berço do samba. O samba durante muito tempo teve como sua figura inaugural o violonista e compositor Donga, nascido no dia 5 de abril de 1889, filho de pai pedreiro e tocador de bombardino, com a famosa Tia Amélia, do grupo das baianas da Cidade Nova, cantadeira de modinhas, festeira e mãe-de-santo, desde os 4 anos já freqüentava a casa de Tia Sadata, na Pedra do Sal, beco do bairro da Saúde. Por volta de 1893, os baianos que freqüentavam a casa de Tia Sadata fundaram o que, segundo Donga, foi o primeiro rancho do Rio de Janeiro, o Dois de Ouro, onde desfilou como ‘porta-machado’, figurante que abria o desfile brandindo um pequeno machado, em uma dança parecida com a capoeira. Passou a infância entre ex-escravos e negros baianos, com quem aprendeu o jongo, afoxé, dança-de-velhos entre outras danças provenientes da macumba e candomblé e ritmos populares que serviriam de base para sua carreira musical. Começou a tocar cavaquinho, de ouvido, e passou para o violão em 1917, tomando aulas com o famoso Quincas Laranjeiras, inventor de um método revolucionário.

Juntamente com João da Baiana, Caninha, Sinhô, Pixinguinha, Didi, Gracinda, Buci Moreira, entres outros, Donga freqüentava a casa de Tia Ciata, onde, em 1916, nasce Pelo Telefone, que ele registra como seu na Biblioteca Nacional, ato que foi contestado pelo grupo, pois consideravam a criação de caráter coletivo, por ser oriunda de partido-alto, em que todos improvisavam versos. Mas a grande importância de sua atitude, motivado pelo advento da indústria fonográfica e visando a ampliação das possibilidades de uma música antes restrita ao ambiente do seu povo negro, foi ter “introduzido o samba na sociedade”, dando ao samba o status indiscutível de gênero musical brasileiro pois foi historicamente a primeira obra do gênero samba a receber estatuto legal, o que o governo de Getúlio Vargas, na década de 1930, viria convalidar.

“Vivia-se, entretanto, no Brasil, pelos primeiros anos do século 20, um clima absolutamente desfavorável a qualquer expressão cultural emanada do povo negro. Menos de duas décadas tinham-se passado da extinção legal do trabalho escravo e a sociedade brasileira procurava de todos os modos, apagar a ‘mancha africana’. Assim, em termos musicais, ao tempo das chapas de gramofone, que eram os primitivos suportes fonográficos, gravavam-se polcas, valsas, modinhas, maxixes, lundus etc. Mas o samba propriamente dito (e o termo ‘samba’ designava qualquer batuque de negros) tinha interesse apenas etnográfico, sem qualquer possibilidade mercadológica. (...) À parte, então, esse particular interesse etnográfico, do ponto de vista mais geral, o samba era prática marginal, desclassificada. Era a música dos libertados, porém deserdados pela Abolição, dos desordeiros, dos capadócios, da malta enfim. E por isso era reprimido pela ordem constituída, num estado de coisas que, menos ou mais brandamente, veio até a década de 1930. ‘Os sambistas, cercados em suas próprias residências pela polícia, eram levados para o distrito e tinham seus violões confiscados’ contava Donga ao escritor Muniz Sodré, conforme transcrito no livro ‘Samba, o dono do corpo’ (Rio, Codecri, 1979). ” Donga, um Retrato Ampliado de Lygia Santos.

O samba, durante muito tempo foi motivo de perseguição, como conta também Roberto Martins no Programa Ensaio “Não, eu fui tirar o Ataulfo. Ele estava preso, isso sim. Naquele tempo, tinha uns policias que tinham mania de prender porque ganhava prêmio. Então, tinha que mostrar a carteira de trabalho. Ele vinha da gravação, tinha gravado uma música na Victor, até um samba muito bonito, vinha com uma pastinha na mão, coitado, ia para casa, morava no Catumbi. Quando ele entrou no baixo meretrício, veio um investigador (não vou citar o nome para não fazer propaganda para ele) e prendeu o Ataulfo e levou para o distrito, que era o 8º. Distrito, na Rua Senhor do Matosinho. Aí me falaram, eu fui lá, falei com o comissário: ‘Doutor, prenderam um rapaz que é meu amigo. Ele é musico, toca violão’. Ele ainda disse: ‘Mas violão é instrumento de vagabundo’. Eu digo: ‘O senhor está dizendo isso como todo mundo diz, mas não é não’. Ainda citei um cara famoso, Sebastião Santos, que tocava todas as óperas no violão: ‘Então o senhor não conhece o Sebastião Santos, que toca opera que o senhor quiser ouvir, trago ele aqui no xadrez pro senhor ouvir’. – ‘Não, toma a chave, vai lá e solta ele.’ Aí eu dei a chave a um guarda para soltar o Ataulfo e ele foi embora comigo.”

Em 1919, foi convidado por Pixinguinha a integrar o conjunto Oito batutas, de importância fundamental na história da música brasileira, estreando na sala de espera do cinema Palais. O grupo fez muito sucesso entre a elite carioca, por executar, no centro da cidade, música popular, como maxixes, canções sertanejas, batuques, cateretês e choros, com instrumentos até então só conhecidos nos morros e nos subúrbios. Em janeiro de 1922 os Batutas apresentaram-se durante seis meses em Paris com o nome de ‘Les Batutas’, sendo o primeiro conjunto brasileiro de música popular a excursionar pelo exterior. Neste mesmo ano, o grupo ainda atua na Argentina, onde grava uma série de discos na Victor, antes de dissolver-se. Em 1928, organizou com Pixinguinha a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, eminentemente dançante, responsável por gravações no selo Parlophon, da Odeon. Durante os anos de 1930, atua nos grupos Guarda Velha e Diabos do Céu, formados por Pixinguinha para diversas gravações em algumas gravadoras, onde ele tocou cavaquinho, banjo e violão.

Em 1940, Villa Lobos, levou vários artistas, entre eles Donga, Cartola, Luiz Americano ao maestro Leopold Strokowski (1881-1976) para a gravação de discos documentais de música brasileira em 78 rpm. Lançados nos Estados Unidos em 2 álbuns intitulados Native Brazilian Music, nove composições de Donga foram neles incluídas: Cantiga de Festa, Macumba de Oxossi e Macumba de Iansã, todos com José Espingela, cantadas pelo grupo do Pai Alufá; o samba Seu Mané Luis, a toada Passarinho Bateu Asas, com Leonardo Mora, e Pelo Telefone, com Mauro Almeida, cantadas por Josué Gonçalves; a toada Ranchinho Desfeito, com De Castro e Sousa, cantada por Jararaca e Ratinho; e Que Queré, com João da Baiana e Pixinguinha, cantada por João da Bahiana.

“Olha esse ponteado, Donga!" - A exclamação com que Almirante incentivava o violão solista do Grupo da Guarda Velha está perpetuada em um dos discos mais famosos da história da música popular brasileira, gravado por importantes músicos e compositores da fase de sedimentação do samba no Rio de Janeiro. O grupo foi organizado por iniciativa de Almirante, em 1954, Donga tocou e gravou com o conjunto até 1958, seus integrantes eram Pixinguinha (sax tenor), Donga (violão, prato e faca), João da Baiana (pandeiro), Bide (ritmo), Alfredinho (flautim), J. Cascata (ritmo e canto), Rubem, Mirinho, Carlos Lentine (violões) e Valdemar (cavaquinho), além do Almirante (canto).

O único LP individual de Ernesto Maria Joaquim dos Santos, o grande arquiteto da música popular brasileira, foi lançado em 1974 pela gravadora Marcus Pereira. Neste disco, foi registrado trechos do depoimento prestado por Donga ao Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

terça-feira, 28 de julho de 2009

Aboio das águas

O bom do caminho é haver volta. Para ida sem vinda basta o tempo.
Mia Couto

Quando nasce a minha dor
pássaros levantam avôo
e um aboio canta longe.

O princípio mais sereno dos seus olhos
É chover a multidão dos meus sonhos.

Quando nasce a minha dor
o gado move lento
seu peso num tempo próprio.
De atravessar,
O pasto não viu o mar.

O meu roçado, onde firo a terra,
são águas do oceano,
que tardam o tempo tão triste,
e colhem o peixe maduro.

Ooooooo eh eh eh ei

Vaqueiro de águas mais fundas
Fruto de rochas da encosta
Seu filho, um nome de pedra
No vento, uma filha falha.

Ooooooo eh eh eh ei

A língua da onda cheia
Cala-se pra escutar
O aboio.

O silêncio põe o vento
Levando na roda o canto.

Na pedra mais alta
Pássaros cercam as palavras
Que você largou ao sol
Para um dia tornarem-se laço,
Rede, tecido, texto.

Quando volto a minha dor
A jangada já amarrou o dia
Então sei que toda estrada
É um caminho de aproximar.

O campo do oceano
Amansa o gado das marés.
Enquanto o mundo entranha,
Levo a boiada da vida.

Ooooooo eh eh eh ei!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Reforma Agrária ou Social ?

“Publico aqui este texto lançado em Agosto de 1997 no zine Não Racismo de minha autoria.”


A reforma agrária é um processo que já deveria ter sido realizado em nosso país há várias décadas, mas, a cada ano que se passa, vão se tornando piores as conseqüências de sua não realização. No Brasil, existe uma quantidade inestimável de terras abandonadas; os proprietários destas terras nunca as utilizaram, nem pensam em utilizá-las, porém não se desfazem das mesmas, nem as cedem para alguma utilização racional e produtiva, preferem possuí-las como Status Social, porque, afinal de contas, não é “qualquer um” que pode possuir milhares de hectares de terras. [“Terra sem gente para gente sem terra é o significado da palavra sem-terra em português. Desde os tempos coloniais, o interior do Brasil tem sido um mosaico de privilégios onde um punhado de barões governa sobre propriedades do tamanho do país.” (The Economist - 13/04/96 - Revista Britânica, três dias antes do massacre de Eldorado dos Carajás/PA)].

Para se ter uma idéia melhor da falta de distribuição de terras em nosso país, é só observar os dados fornecidos pelo INCRA, pelos quais existem 3.114.898 imóveis que declaram ter 331 milhões de hectares no total. Deste total 75% dos imóveis, com no máximo 50 hectares, concentram apenas 11% do total de terras. Os imóveis entre 50 até 1000 hectares somam 22% do total e concentram 39% do total de terras. Completando os totais, descobre-se que apenas 3% dos imóveis, todos acima de 1000 hectares, concentram 50% das terras de nosso país. E para finalizar o absurdo maior, apenas 75 propriedades, acima de 100 mil hectares, aproximadamente 0,002% do total de imóveis, são donos de 7,3% de terras, 24 milhões de hectares. [De acordo com a Receita Federal, 99.2% dos grandes proprietários rurais sonegam o ITR (Imposto Territorial Rural). Em 1.994, o ITR contribuiu apenas com 0,05% (30 milhões de reais) sobre o total de 65 bilhões que o Fisco arrecadou. E em 95 o ITR contribuiu com 113 milhões, 0,14% dos 80 bilhões arrecadados pelo governo.” (O Globo - 15/04/96)]. Então, além de concentrarem terras improdutivas em seu domínio, os grandes proprietários ainda prejudicam o país não pagando seus impostos, o que os pequenos são obrigados a fazer, porque como não tem poder ($) podem ir para a cadeia.

Voltando para a reforma, após a tão falsa “libertação dos escravos” (“O branco escravizou o corpo do negro, mas a sua alma nunca foi escrava dos brancos.” - Baseado nas Ruas, grupo de Rap de Brasília), a obrigação do governo vigente era ter realizado, no mínimo, uma distribuição de terras para os escravos libertos, não jogá-los na sociedade em condições, para muitos, até piores do que nas quais se encontravam. Com o passar do tempo, essa situação evoluiu para o que é hoje, a maioria da população negra se encontra em favelas ou nos bairros mais pobres das cidades em geral. A realização da reforma agrária compensaria, mas não totalmente, porque isto é algo impossível, pelas milhares de vidas que se perderam por causa desta injustiça histórica.

A reforma colocaria todos os sem-terra em seu devido lugar: a terra, que é deles por direito, porque eles desejam e merecem ter condições para produzir alimentos. E não ficar ao deus dará, em meio uma luta desigual, tendo que enfrentar fazendeiros hipócritas e exploradores; policiais despreparados, mal orientados e muitas vezes mal intencionados (movidos pelo interesse no dinheiro, oferecidos pelos fazendeiros); políticos sujos com sua costumeira má fé, sempre querendo tirar proveito da situação. E também acabariam esses massacres nojentos, idiotas e abomináveis que nos enfiam goela abaixo, sem que as “autoridades competentes” tomem as devidas providências.

[“Vi uma criança de 10 anos receber tiros da policia. Depois de baleada, foi chutada por um policial até morrer.” (Eurival Martins Carvalho - sobrevivente do massacre de Eldorado de Carajás - Correio Brasiliense 19/04/96) Onde está essa criança?]

[“Missão cumprida, pessoal. E o melhor é que aqui ninguém viu nada.” (Declaração do coronel Pantoja diante da tropa reunida no quartel após ter assassinado 19 trabalhadores - O Globo 25/04/96)]

Após a solução dos sem-terra, poderiam ser deslocadas para o campo, pessoas que moram em favelas, e que não tem nenhuma perspectiva de melhoria de vida, educação, empregos e até mesmo de vida em si. Estes deslocamentos, certamente fariam com que muitos problemas das grandes cidades diminuíssem e ficassem mais simples de serem resolvidos. Porque grande parte das pessoas que se envolvem com crimes, drogas, tráfico, o fazem por não terem outra alternativa, são jogadas para isto como se fosse uma lógica baseada no desejo individual e não no contexto social. Estas pessoas poderiam ter o apoio dos antigos sem-terra, para poderem ter sucesso nesta nova empreitada em suas vidas.

Todas as pessoas (sem-terra e outras) que fossem para o campo, deveriam ter o apoio irrestrito do Estado, para poderem construir uma moradia em sua propriedade e começar a produzir. Assim eles garantem no inicio, pelo menos, o próprio sustento e com o passar do tempo, pagarão todo o investimento feito. Este pagamento poderia ser feito através dos próprios produtos produzidos por eles. Com isso o governo poderia ter um custo menor para financiar vários programas sociais e para abastecer as escolas. E quem sabe não houvesse tanta fome e falta de condições humanas em nosso imenso (em diversos aspectos) país.

Por todos estes fatores, o Movimento Sem Terra é hoje o mais importante movimento social, porque eles simplesmente reivindicam justiça social e se o governo não apressa a reforma agrária é por falta de vontade política ou por apoio incondicional a essa estrutura baseada no mercado e no capital. Ou por acaso um estado democrático aberto e popular preferiria que os sem-terra viessem para as grandes cidades, morar nas favelas, pedir esmolas, disputar com cães e gatos os restos das feiras? Ainda mais, levando em consideração, que temos exemplos de Assentamentos bem feitos, que tiveram ótimos resultados.

[Hoje para a professora Leonildes S. de Medeiros, do curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ, “O Movimento Sem Terra é o único capaz de contestar, de forma organizada, a atual política governamental. Além disso, desnuda, com chocante crueza, a face dramática, incômoda, miserável, de uma sociedade dilacerada pelas contradições sociais” (Revista Crea/RJ - No. 03)]

[“Mesmo em época de baixa produção, as nossas famílias não se preocupam com desemprego e com a fome. Temos estabilidade e fartura.” (Ulisses Gomes - Assentamento Sumaré/SP - Jornal Debate -Jun/96)]

MST - Movimento Sem Terra - Secretaria Nacional

Alameda Barão de Limeira, 1232 – 01202-002 – São Paulo /SP

Todos “[ ]” fonte: Agenda MST


A seguir, não se pode deixar de lembrar a todos a letra de João Cabral de Mello Neto e música de Chico Buarque, escrita em 1.965, que já mostrava o pensamento ou desejo dos latifundiários há mais de 30 anos, e que continua sendo bem atual.


FUNERAL DE UM LAVRADOR

Esta cova em que estás

com palmos medida

é a conta menor

que tiraste em vida

É de bom tamanho

nem largo nem fundo

é a parte que te cabe

deste latifúndio

Não é cova grande

é cova medida

é a terra que querias

ver dividida

É uma cova grande

pra teu pouco defunto

mas estarás mais ancho

que estavas no mundo

É uma cova grande

pra teu defunto parco

porém mais que no mundo

te sentirás largo

É um cova grande

pra tua carne pouca

mas à terra dada

não se abre a boca

É a conta menor

que tiraste em vida

é a parte que te cabe

deste latifúndio

É a terra que querias

ver dividida

Mas estarás mais ancho

que estavas no mundo

mas à terra dada

não se abre a boca

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Vai Vendo

Dez e meia e de ressaca, sigo, pegar o trem.

Mochila, chinelo amarelo, livro de Edward Said, a roupa do corpo e mais um casaco.

Da cidade Universitária desce na Luz, vai até Guaianazes, segue até a estação Estudantes e pega um busão na rodoviária de Mogi destino Jacareí. Entendeu Fê? Desce na Dutra, terceira passarela depois do Galeto de Ouro. Espero você lá.
Tá feito Chico, valeu companheiro.

Quando eu cheguei na Escola Nacional Florestan Fernandes, a Escola do MST, em Guararema, fazia um frio boreal. Meu chinelo amarelo me traiu.
Dedos enrugados, dentes batendo.

- êta guria, tá frio né?
- sorriso de quem sofre
- venha cá, seja bem vinda à nossa Escola, toma um chimarrão que te esquenta.
- alívio.

Fui chegando, descendo a ladeira que leva ao vale onde estão espalhados diversos prédios com salas de aula, refeitório, alojamentos, espaços de convivência, salas de leitura, agro-floresta, ciranda (onde ficam as crianças), quiosques, livraria, auditório, vixi, e mais uma par de coisa.

Lugar bonito. Pé de banana, de laranja, fotos de Che.

Quando cheguei estava começando a reunião de dirigentes das coordenadorias regionais do MST. Numa tacada só fui apresentanda a um alagoano, uma piauense, ao Duda, que é uma das lideranças do Movimento no Pontal e quase morreu três vezes, a um gaúcho e a uma pernambucana, todos na mesma roda de conversa, falando sobre a festa que haveria mais tarde para lembrar a revolução da Nicarágua.
- você poderia ler um dos poemas, assim você se apresenta pra todo mundo
Eu li, mas não foi poema não, foi um trecho de Fanon.

Todos os militantes vão à Escola duas ou três vezes por ano, participam de reuniões, muitas reuniões, onde expõe e propõe.
Além disso, há cursos de formação política, que duram quatro meses e são dirigidos às pessoas que estão envolvidas com a Via Campesina e parceiros do MST. Vêm gente de todos os países da América Latina, da África e até da Coréia.

Oxalá, meu pai, e eles conversam.

Há pessoas que moram lá dentro, como Paulo, sua esposa Néia e seu filhinho lindo de seis anos chamado Ernesto Che, que me receberam com quatro tipos de cachaça de alambique e licor de açaí... enquanto Che jogava bola lá fora. Vinte anos de Movimento, eles se conheceram num assentamento.

As tarefas são todas divididas, os grupos de estudantes de geografia que fazem curso lá são responsáveis pela lavanderia, às vezes pela cozinha, ou pela guarda. A limpeza é feita por todo mundo, e todos capinam o mato e colhem as frutas que são servidas no restaurante.

Lugar bonito. Trabalho coletivo, música haitiana saindo de uma janela e se espalhando pelos aléns, professor doutor tomando café sentado com um aluno e um trabalhador da Escola, o Jão, que cuida das tretas elétricas.

Sem discursos patéticos. Sem pseudo-revolucionários profissionais. Gente tranquila, que ri, que canta, que não se deixa enganar fácil.

Ontem à noite teve samba. Não era pra ter não. Mas um moço do Espírito Santo disse que eu estava parecendo a Clara Nunes, acho que por causa do vestido branco que a Jaque me emprestou e o cabelo ouriçado. E Carolina, que é um preto de quase dois metros e uns cento e dez quilos, fez questão de gritar que se não fossem agora pegar tambor ele ia se embrabar.

Pronto. Gente do Brasil inteiro, mais pessoas de Cuba, da Bolívia, do Equador, do Paraguai, da Argentina, do Chile, da Coréia, de Moçambique, na mesma roda, batendo palma, batendo pé, batendo atabaque, estouro de boiada no peito.

Antes desse churrasco fomos beber cerveja num bar fora da escola. Ave Maria.
Imaginem isso: mesa de pau, cerveja 2,50, carro de boi passando vez em quando, criança soltando pipa, do lado montanhas, montanhas, Luiz Gonzaga tocando e os veinho tudo bebo me chamando pra dançar.

Eu não sei não, mas parece que esse Brasil tem jeito.

Conversei com muitas pessoas, muitos jovens, muitas mulheres, muitos homens de história.

- Não, pra mim, é inaceitável. Eu conheço esse cara, a gente comia pizza de dois dias passados com café, ia cedo pras fábricas pra conversar com os trabalhadores antes deles entrarem no serviço, eu conheço ele, e até hoje me dói, porque ele traiu a gente, ele traiu o povo, por isso que o MST não vai nunca se tornar partidário, porque nossa estrada era até pouco tempo junto a do PT, mas o PT cruzou a linha, passou pro outro lado, e a gente vai ficar desse. Do lado do povo.

Foi mais ou menos com essas palavras que o Zé me fez chorar. Chorar sei lá porque. De raiva do Lula, de amor por saber que tem gente que se manterá íntegro.

Mas meu choro valeu um abraço apertado de um homem de uns cinquenta anos que fundou o PT junto com Lula. E mais um gole de cachaça.

Voltei de carona com Carlos (quinze anos de MST) que ia pro Brasil de Fato, e o japa muleque firmeza.

O nego ficou lá estudando.

A vida, pra quem luta, é mais bonita.

sábado, 18 de julho de 2009

Pergunta

Como buscar a morte
se a morte se faz presente
nos dias
eternos
de 1979?

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O tempo manso

Manso, o tempo que ora vai
percebe menos as coisas.
De passar intenso
tateia esse corpo
pede o chão.

Vejamos assim:
a tarde parou
o coração está agudo
é crime dizer não
fumar cigarros
amar teus olhos
promover o levante.

Sinal de fracasso,
o tempo agora procura
a umidade da casa
o escuro dos cantos.

O tempo sobra eterno
no tempo dos teus olhos!

E se instalará a contragosto
no cotidiano tão colonial
dos que condenam

O samba do largo

O riso sem querer

A presença de Candeia.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Alguém assim, alguém sem fim

Gaita em campo aberto, a saudade ao vento
Corre. E faz de outras paisagens a cama
Onde a palavra sem presença trama
A tua presença no meu traço lento.

Se o verso que ora escrevo é um porto em pranto
De cantos, pelo mar jangada afora,
Os negros já cantaram a dor que mora
Sem fim e na voz que adormece tanto.

Pau, laço preso em tuas mãos, trilha alguma
Que brinca pelos barcos, liberdade,
Se o verso é um porto frágil e a lua ruma,

Teu corpo foge solto com a saudade,
Há um corte que ainda sangra na canção
No samba, entre o mar, os ventos, o chão.

O título foi sinceramente tirado de uma canção de Paulo Tatit e Zé Miguel Wisnik.