terça-feira, 30 de junho de 2009

Um sopro histórico de MPB. (3ª. Parte)

O Programa chamado Ensaio, antes MPB Especial, produzido desde 1969, exibido pela TV Tupi e até hoje pela TV Cultura, trás, de uma maneira mais superficial, o artista convidado executando suas composições ou musicas mais conhecidas entre depoimentos sobre sua vida e carreira. Olhando mais de perto conseguimos captar em suas palavras, na maneira que se expressa, nas historias de sua vida e dos relacionamentos com outras figuras históricas, a essência deste artista como pessoa [sua alma], sua verdadeira qualidade artística, no caso dos ‘apenas’ compositores conseguimos perceber toda sua noção musical e total domínio do fraseado por mais que não sejam grandes interpretes. Para que possamos perceber tudo isso, precisamos estar livres de todo e qualquer pré-conceito musical, porque em alguns casos ouviremos grandes interpretações, sem aquela voz macia e tal, mas carregadas de emoção e apuro técnico, valiosas perolas musicais.

Fernando Faro, diretor do programa, teve em alguns casos uma sorte grande, como o que aconteceu com Roberto Martins, pouco badalado compositor, mas um dos grandes da era de ouro da MPB, nascido em 29/1/1909 e tendo falecido em 14/3/1992, gravou o programa em 1991, por questão de meses foi possível ter seu depoimento e interpretações emocionadas como a de Favela, feita em parceria com Waldemar Silva, seu primeiro grande sucesso e talvez o maior, gravada por Francisco Alves em 1936, recebeu mais de 100 gravações; teve também enormes sucessos na voz de Orlando Silva, com Meu Consolo é Você e Dá-me Tuas Mãos; Ciro Monteiro gravou Beija-me; Nelson Gonçalves projetou-se com uma composição sua, o fox Renuncia; fez em parceria com Wilson Batista, o samba precursor da questão social Pedreiro Waldemar, que estourou no carnaval de 1949, interpretado por Blecaute.

“Que eu gravei até agora? Gravei 384 musicas, mas tenho 56 anos de carreira. (...) Conheci. Desde menino, conheci a praça Onze. Você quer que eu fale, mas não vou falar das escolas de samba, porque antes tenho que falar como era a praça Onze. A praça Onze, vocês deviam conhecer. Tinha a rua Senador Eusébio, a Visconde de Itaúna e tinha a rua Santana e Marques de Pombal, ela ficava no meio, onde tinha a gafieira As Colombinas. A Kananga do Japão nunca foi na praça Onze. (...) Vou te falar dos batuqueiros. Depois que acabava o carnaval e as batalhas de confete que tinha na praça Onze e naquelas ruas do Centro, à meia-noite, o povo se recolhia. Então vinham os malandros, o Quico da Favela, o Waldemar da Babilônia, o Madureira do Engenho Velho, O Brancura do Estácio, o Mulatinho do Catete (esse cara foi morto com 18 tiros na praça Onze, quando ele quis pular a grade da escola que tinha ali e não conseguiu, por causa de batucada). O Mulatinho do Catete era o malandro do Catete. Naquela época, cada lugar tinha um malandro e havia a batucada pesada, aquela Derruba, Bota no Chão. Quando chegava a policia, era um bate-fundo medonho, todo mundo corria. Essa é a praça Onze primitiva.”

E ele continua falando sobre a batucada, muito parecida com a roda de samba conhecida em São Paulo como tiririca ou jogo da pernada. “Era uma roda de samba e ainda tinha o ‘compadre’. Na batucada tinha sempre um ‘compadre’. É aquele batuqueiro que, quando você pegar um cara que é faixa dele, entra no meio e não deixa pegar. Essa cara passa, canta, empurra a perna devagar e dá a volta, vai cantando. Quem cantava era ele e os outros respondiam. Era uma espécie de partido alto. (...) O partido alto não é como eles dizem agora que é pagode. Pagode é o lugar onde você vai cantar e não a musica. A música era partido alto. Naquela época, eu fiz uma musica:

O teu riso tem, tem, tem, tem

Tem qualquer coisa que me domina, meu bem

O teu riso tem, tem, tem, tem

Tem qualquer coisa que me domina, meu bem

Tua boca é uma alvorada

Nunca vi sorriso assim

Sem teu riso não sou nada

Dá um sorriso pra mim.

De lá respondiam:

Mina minha menina

Mina dos olhos veludos

Se o teu pai ... homem sério

Teu amor teria tudo

A noite toda era assim, mudava um refrão e botava outro.”

Ele também revela uma face de Francisco Alves pouco conhecida ou imaginada por todos, afinal ele era o Rei da Voz. “Conheci. Era um cara bom. Chico Alves era bruto, mas era bom de coração. Era Bruto. Ele fazia coisas de criança às vezes. Ele estava conversando com você e cuspia. Você levava ele numa casa para apresentar uma mulher e, de repente, ele cismava e saía porta afora. Ele era meio queimado. (...) A história da Cai Cai? O editor arranjou a gravação e mandou que eu mostrasse ao Francisco Alves. Mas eu tinha cantado a música para o Joel. Eu fazia o seguinte: o primeiro que gostar grava. É como amor, não espera muito, senão não ganha. Aí cantei para o Joel e ele gostou da musica: ‘Você me dá, Roberto?’ – ‘Não sei. Me deram uma incumbência para cantar para o Chico.’ – ‘O Chico não canta esse estilo. Esse estilo batucada não é do Chico.’ Aí fui cantar para o Chico e cantei mal mesmo: ‘É essa música? Essa não’. O Joel gravou e a musica começou a estourar logo no inicio. Ai o Germano [Augusto] veio me dizer: ‘Roberto, o Chico ta doido te procurando, quer falar contigo. Ele está aborrecido. O que tu fez a ele?’ ‘Num sei.’ Eu vi logo que era o negocio da musica. Mais tarde, ele me encontrou no Nice: ‘Você pensa que é malandro? Eu sou malandro da Lapa. Eu que sou o Chico da Lapa.’ – ‘O que há Chico, está zangado por quê? Que isso.’ – ‘Não fica com deboche.’ – ‘Não to com deboche. Diga pra mim o que é?’ - ‘Você cantou pra mim, me engrupiu e depois foi dar para o Joel. Não gravo mais nada seu’. Ficou uns tempos zangado comigo, mas depois gravou uma porção de coisas.”

Luis Nassif considera Roberto Martins o Rei desconhecido do Samba Sincopado. “Quando leio essa produção acadêmica sobre a bossa nova, sustentando que a música brasileira anterior era composta só de dramalhões, coloco no aparelho as músicas de Roberto Martins e me dá uma pena desses pesquisadores…”

“Favela, oi favela

Favela que trago no meu coração

Ao relembrar com saudade

A minha felicidade

Favela do sonho de amor

E do samba-canção

Minha favela querida

Onde eu senti minha vida

Presa a um romance de amor

Numa doce ilusão

Em uma saudade bem rara

Na distancia que nos separa

Eu guardo de ti esta recordação

Minha favela!

Hoje tão longe de ti

Se vejo a lua surgir

Eu relembro a batucada

Começo a chorar

Favela das noites de samba

Berço doirado dos bambas

Favela, és tudo que posso falar.

Barulho no morro

Foi o que houve num arrasta-pé

Quando Pedro deu um beijo

Na cabrocha do José

Enquanto eles brigavam

Todo mundo assistia

Foi preciso que a policia

Desse fim à valentia

José morreu, e Pedro foi condenado

E a cabrocha foi com outro que vivia apaixonado

E nunca mais ouviu-se um grito lá no morro

Nunca mais ninguém ouviu um apito de socorro

Barulho, barulho, barulho no morro.”

domingo, 28 de junho de 2009

Canção



As minhas mãos não são duas flores
Para seus olhos lassos.
Mas elas trazem o perfume
Do amor
Quando domam a sua pele
Nos sítios tristes da vida.

As minhas mãos, companheira,
Traçam o gesto rebelde
Num país estranho
De dor e de asas.
Mas elas pousam
No remanso simples
Do seu corpo.
E aprendem que a felicidade
É um ato de amar.

As minhas mãos estão estendidas
Mostrando as palmas
Ao seu olhar de outras dores.

Se oferecem, namorada.

E pedem, minha senhora,
Permissão para se tornarem
Suas.

domingo, 21 de junho de 2009

Outras Conversas


Todos sabem como se trata um futurista.

Mira aboios



Tangendo boi magro
aboio reclama a cor verde
na pedra.

A tristeza do cantador
é saber das demoras:
no sertão se silencia.

Quem chove no sertão são
os aboios.

boi brasileiro vive astuto na sede
calado:
tambores para transportá-lo

Vira bumbá
boi de mamão
boitatá
peixe prata
poema de drummond.

A igreja matriz do cangaço é de substância aboio.

Chove no preto
Chove no índio
Colher algodão ingrato

Estamira canta
guerreando palavras
um aboio declarado

Estamira sou eu.
e também sou os passos do gado.

sábado, 13 de junho de 2009

Iniciação

Para pôr um pouco de sal no brasil
Basta o vento dos mares
Que trouxeram os negros.

Me guarde
Aquele que me escolheu.

Os riscos das folhas
Caídas na mata.
Sempre esses pássaros
Em suspensão na vida.

Para pôr um pouco de sal no brasil
Basta da mão que lança o tiro, a bomba,
Antecipando a morte.
Deixem que o tempo
Permita dizer de cada um

Quando é o tempo.

Porque sou feito de milho.
O que salga e colhe
Na plantação perdida de fim.

Me guarde três vezes
Aquele que me escolheu.

domingo, 7 de junho de 2009

Eu procurava uma amplidão




Pois eu exultava.
Eu conhecia a violência do escuro alegre - eu estava feliz como o demônio,
o inferno é o meu maximo.

(Clarice Lispector,
A Paixão Segundo G.H.)